Capítulo 7

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Vitória abriu a porta para que eu entrasse e logo colocou o rádio tocando Caetano, como se não tivesse me ganhado ainda e quisesse provar que conseguia para si mesma.

A lua caía no céu da madrugada que já perdia as estrelas, as ruas pareciam mais brilhantes, as casas eram mais silenciosas. E Vitória não tirava os olhos das ruas e avenidas pelas quais passamos rápido até pararmos na entrada de um prédio alto e antigo.

"Parece velho só por fora." Ela comentou com um sorriso enquanto abria o portão e eu a acompanhava.E ela tinha razão, a arquitetura dali era deslumbrante, as cores sólidas fazia tudo parecer formal e tranquilo. Exceto por uma Vitória que ria alto e jogava conversa fora sobre os melhores filmes sobre animais com uma Ana Clara que não prendia o riso diante das palavras da outra. E ser essa Ana Clara me trazia paz como eu nunca tinha sentido antes. Eu estava entre o limite de querer, dever e poder que Mário Sérgio Cortella disse numa palestra que eu tinha ido.

Eu queria Vitória, eu podia tê-la e isso n]ao ultrapassava os limites de dever desejar aquilo.

Subimos pelas escadas porque, segundo ela, exercícios traziam sobriedade para que eu pudesse ver o nascer do sol sem me esquecer de nenhum detalhe.

O apartamento dela ficava a exatos 6 andares do chão, no último do prédio. E cada lance de escadas que eu subia me fazia sentir que eu teria um enfarto.

 Estávamos falando sobre a melancolia das músicas da década de 80 quando ela abriu a porta e as palavras morreram em minha boca. Ao contrário das cores sóbrias de todo o prédio, o apartamento dela era colorido, com direito a uma parede pintada de respingos de tinta até quadros que formavam um desenho maravilhoso de um palco de teatro noutra.

Os móveis eram brancos e meu gosto por arquitetura e design tinham se renovado ali.

Quando voltei meus olhos para ela, Vitória me encarava com o semblante calmo e alegre. "Tu nem conheceu meu quarto ainda." Não estava mais tão bêbada, mas podia jurar ter entendido um duplo sentido na frase.

"Vem, vamo pra varanda que tá quase na hora." Ela me puxou pela mão e o simples toque fez correntes elétricas correrem pelo meu corpo.

Ficamos num completo silêncio, deixando que os carros, os pássaros e as poucas pessoas lá em baixo fizessem nossa trilha sonora enquanto Vitória estendia um lençol no piso branco e colocava dois travesseiros

"Você faz isso sempre?" Perguntei ao mesmo tempo em que me sentava ao lado dela, com as pernas cruzadas. Não era minha intenção, mas meus olhos percorreram todo o corpo de Vitória ao notar que a posição deixava suas coxas nuas. Ela mexia comigo, ela me tinha e eu nem era dela e esse pensamento nem passava na cabeça dela.

"Contemplar a natureza que me rodeia?" Ela perguntou sem me olhar, era possível ver que seus olhos fitavam todos os prédios à nossa frente e o horizonte que lentamente se livrava da escuridão. Assenti. "Tudo que tá aqui no mundo, Ana, tá desde de muito antes de mim e de tu. E imagina se o sol não aparecesse pra clarear essa selva de pedra! Eu amo a lua, e como ela ilumina a escuridão do universo e sua imensidão, mas ela também não ia clarear sem o sol. Ver o sol nascer me faz pensar que sempre tem um amanhã, que sempre tem alegria depois da dor. Que tem esperança."

Não sabia se assentia ou se me maravilhava com Vitória devaneando sobre o universo e seu amor pelo sol. Eu sempre fui mais lua e mais de lua, de querer ser sozinha e nunca me sentir no meio de uma solidão que tornaria minha alma amarga. E mais uma vez me perdi no meu encaixe com Vitória Falcão, que ela não tinha ideia de que existia.

"E tu?" Ela perguntou, se virando bruscamente para me olhar. Dei de ombros.

'Eu o que?"

"O que tu pensa do universo?" Ela disse como se fosse uma pergunta óbvia. E percebi que eu nunca tinha parado pra pensar no universo em si, apenas na vida enquanto eu estava aqui e podia estar.

"Acho que num penso nada! Essa imensidão de tudo que todo mundo diz que não é nada, me confunde demais!" Parei de falar quando ouvi o riso fraco de Vitória em minha direção. "Mas eu penso que tô aqui só de passagem, pra melhorar a vida de um monte de gente, pra fazer o meu bem e depois encontrar outro lugar pra poder fazer bem outra vez."

Ela sorria largo quando terminei, e percebi que tinha contado uma das minhas mais profundas verdades pra ela, senti minhas bochechas corarem e encarei o horizonte, como ela fazia segundos antes. Ela se virou também, o sol ganhava tons de amarelo, azul claro e laranja claro. As nuvens se dissipavam na medida em que os primeiros raios de sol passavam por elas.

Vitória tinha razão quando disse que eu não podia me esquecer daquilo, na verdade eu queria mais do que não esquecer. Queria passar minhas manhãs acordando com o sol e com Vitória me contando histórias sobre como tudo tinha significado pra ela. Queria significar algo pra ela.

"Ninha..." Meu peito se aqueceu instantaneamente com o apelido, sorri sem perceber e sorri ainda mais quando vi que Vitória estava vermelha pela primeira vez desde que a conhecia. 'Eu sou sol e tu é lua. E a gente junto..." 

Completei junto com ela, perdendo minha voz junto a dela:

"É eclipse."

CHAOSOnde histórias criam vida. Descubra agora