Capítulo 35

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Serrei meus punhos sentindo minhas unhas pressionarem contra a palma da minha mão, eu não podia bater no médico que estava estudando o caso de Ana Beatriz, e Vitória deve ter percebido que era exatamente isso que eu iria fazer, porque ela me puxou pelo braço até a porta assim que pisou na sala, ainda sob o olhar cínico de Jaffar.

"Ninha..." 

Ela começou.

"Nada de Ninha, Vitória! Se ele chegar perto de você ou tentar alguma coisa, quero que me ligue na hora." Minha voz estava visivelmente alterada, mesmo que eu estivesse tentando falar baixo.

Não tinha lembranças da última vez em que senti ciúme de alguém, não daquela forma, porque eu nunca quis desfigurar nenhum rosto em toda minha vida. Talvez porque eu nunca tivesse amado outra pessoa além de Vitória e essa sensação de perder alguém a quem me apeguei tanto e que me faz tão bem estava me torturando o suficiente para meu ódio por Jaffar crescer a cada segundo.

"Ele não vai tentar nada, para com essas paranoias, Ana!" Ela respondeu, a voz séria era quase uma súplica para que eu acreditasse nela.

Respirei fundo. Para de ser burra, Ana Clara! Olha essa mulher na sua frente, que te ama e te quer. Repeti pra mim mesma dezenas de vezes antes de encarar Vitória outra vez.

"Desculpa meus ataques, amor." Falei baixo, sentindo os braços dela me envolverem num abraço apertado e quente. Os lábios vermelhos tinham gosto de vinho, o que me fez beijá-la outra vez. "Te vejo amanhã, flôzinha"

Ela sorriu com o apelido, que saiu mais meloso do que eu esperava e o sorri de volta. Vitória era luz desde o primeiro dia que conheci ela, me pergunto se haverá um dia em que vou observá-la sorrir sempre pensar que ela é meu sol. 

Minha mente estava mais bagunçada do que costumava ser em dias normais, e Jaffar tinha chegado em São Paulo há apenas um dia. Seria uma semana mais do que torturante e eu precisava me preparar para isso sem surtar toda vez que ele se jogasse para cima de Vitória. Precisava confiar nela.

"Amo você." Ela sussurrou, o olhos concentrados nos meus me faziam viajar pelo universo Vitória Falcão.

"Amo tu." Lhe dei um selinho demorado, meu coração doendo por ter de ficar longe dela.

São Paulo sempre vai ser mais bonita durante a madrugada. É como se os bêbados nas calçadas, as prostitutas nos bordéis, os adolescentes chapados, toda essa confusão das ruas me preenchesse com uma melancolia da qual sempre fui fã. Porque eu sempre fui fã de barulhos que soassem mais altos que a minha própria confusão. 

Tudo que fiz quando cheguei em casa foi tomar um banho demorado e me jogar na cama. Eu tinha uma cirurgia logo pelas oito da manhã, mas já estava tão acostumada com clipar aneurismas e todos aqueles pós operatórios...

Cheguei no hospital e aproveitei para ir ao quarto de Aninha enquanto William provavelmente não tinha chegado. A garotinha magra me sorriu bonito de ver, como se realmente estivesse feliz outra vez.

"Bom dia, tia Ana!" Ela disse, já abrindo os braços para que eu a abraçasse, o que eu fiz de bom grado. 

"Bom dia, princesa." Respondi sorrindo, mesmo que meu coração doesse. "Cadê dona Isabel?" Perguntei me sentando ao lado dela na cama.

"Mamãe foi na lanchonete comprar café, ela ficou a noite toda acordada." O sorriso pouco a pouco desapareceu dos lábios secos.

"E tu sabe porquê?"

"É que eu tava com uns pequenos probleminhas pra respirar, mas a gente já resolveu." Percebi que ela forçou um sorriso. Meu coração deve ter diminuído o ritmo, tamanhã tristeza que eu senti. "É que eu acabei desenvolvendo transtorno de ansiedade, tia Ana, por só ficar presa aqui sem fazer praticamente nada o dia todo."

A voz carregada de dor de Aninha veio acompanhada de um suspiro longo dela. segurei a mãozinha entre as minhas e acariciei a pele pálida.

"O novo médico vai começar o seu tratamento hoje, Aninha. Logo logo você vai estar longe daqui." Tentei soar o mais otimista possível, para que ela acreditasse em mim, mesmo que nem eu mesma conseguisse acreditar.

"Tu acha que criança vai direto pro céu, tia?" Me recusei a dizer que não acredito em céu, porque não era algo que podia ser dito agora.

"Acho que depende da criança. Se ela desistir, então sem chance de ir pro céu." Respondi forçando um sorriso e ela sorriu de volta, balançando a cabeça.

"Já disse que não tô desistindo! Vivi me falou que eu tenho que ser forte igual ela!" Meu sorriso chegou aos olhos, e tive a certeza de que Aninha sabia que aquele sorriso tinha Vitória como motivo, porque me encarou desconfiada. 

"Que foi?"

"Vivi ganhou o coração da doutora.."

Senti meu rosto queimar e ela gargalhou, como se fosse a primeira vez em que eu ouvisse a risada dela, me permiti abraçá-la. O corpinho magro contra o meu me fazia pensar no abraço casa de Vitória.

"Shhh... Não vai contar pra ela, ein!" Ela assentiu repetidas vezes, fazendo um sinal com os dedos como se significasse que nunca iria dizer.

"Acho que ela já sabe." Disse pensativa. 

"Tenho uma cirurgia agora, Aninha, mas volto logo depois pra garantir que você esteja guardando nosso segredo." Ela assentiu e beijou minha bochecha, acenando enquanto eu saía do quarto.

Ana Beatriz é tão luz quanto Vitória consegue ser, sentia minha alma se aquecer sempre que estava na companhia das duas, mesmo com as circunstâncias que envolviam Aninha. Me peguei imaginando Aninha correndo pela minha casa, brincando em todos os cômodos, com Vitória e Luana.

"Sorrindo atoa tem dois motivos." Manuela praticamente brotou ao meu lado, logo percebi que estava na ala da pediatria.

"Quais motivos?" Perguntei já tendo certeza da resposta.

"Vitória Falcão e cirurgia." Ela respondeu convencida.

Ela parecia mais feliz também, dava pra perceber que tinha refeito as mechas loiras e tinha ficado realmente bom. Manuela sempre tinha sido feliz, apesar de tudo.

"Tecnicamente." Ela revirou os olhos. "E por que ta me acompanhando pra sala de cirurgia?"

Ela simplesmente deu de ombros e continuamos andando. O jeito despreocupado dela não a fazia menos profissional, e eu gostava do jeito leve que ela fazia as coisas parecerem.

"Como está sendo conviver com Jaffar?" O riso na voz dela me fez lembrar da raiva que eu estava nutrindo por ele.

"Não está indo ne, Manuela!" Respondi sem esconder minha irritação. "Sabe quando você sente que a pessoa está se jogando pra cima da sua namorada?"

Ela me encarava concentrada. Continuei:

"Eu tenho vontade de desfigurar o rosto dele." Suspirei por fim, logo em seguida ouvindo a risada alta.

"Sabe quando você não tem um relacionamento sério com a pessoa? Então, você precisa confiar nela, Ana." 

Mais uma pessoa dizendo que eu e Vitória não temos um relacionamento sério, o que é relacionamento sério para as pessoas? Que merda. 

"Eu e Vitória não precisamos colocar rótulo no nosso relacionamento pra garantir que ele seja sério." Respondi irritada. 

"Vamos fazer assim, vai fazer tua cirurgia e depois me encontra pra gente almoçar." Ela tocou meu ombro e fez menção de seguir pelo corredor.

"Chamei Vitória pra almoçar, mas pode ir com a gente."

Manuela sorriu na minha direção e acenou como se dissesse que me encontraria depois. Respirei fundo. Falar sobre Jaffar ser filho da puta logo de manhã já me deixava uma pilha de nervos. Mas estava entrando no meu paraíso agora, o cheiro da sala de cirurgia, o silêncio que fazia minha alma se calar, eu precisava estar ali, eu amava estar ali.


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