Capítulo 54

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meus anjos, é o seguinte, minha vida tá uma bagunça ruim e tô ignorando os trabalhos da faculdade pra poder fugir pra cá. não desiste não.

Ana Clara.

Manuela me contou os detalhes da cirurgia entre lágrimas e suspiros longos, e eu não estava tão diferente dela, exceto que minhas lágrimas eram muito mais pesadas e que com elas o peso do alívio me cobria.

"Provavelmente Willian não vai explicar isso tão detalhadamente pra Vitória, como eu fiz agora com você, acha que consegue repassar ou quer que eu suba com você?"

A voz da minha amiga era calma, mas seu olhar revelava toda a dor que ela sentia. Rafael segurava firme a mão da mulher, como se fosse possível puxar um pouco daquele sentimento para ele.

"Onde está Bárbara?"

Foi o que eu consegui perguntar. Sentia falta da minha melhor amiga, sentia falta do apoio dela.

"Está com o rapaz que ela começou a ficar...o..não me lembro o nome dele."

"Não é o anestesista?"

Minha cabeça estava confusa demais.

"Não, eles terminaram mês passado." -- Manu respondeu. --"Ela está ficando com o ginecologista que faz plantão aos domingos."

Assenti. Por um segundo quis voltar ao momento da nossa vida em que nós duas éramos inseparáveis e solteiras, sem traumas, sem dores, sem preocupações.

"Preciso falar com ela."

Vitória.

Fazia uma semana desde Aninha tinha saído, finalmente, do hospital. Depois da cirurgia ela ficou internada alguns dias antes de ter alta e durante todo esse tempo eu e nossa mãe não saímos do lado dela. Sua pele já não era mais tão pálida e ela já dormia menos que antes, qualquer sinal de melhora era passado para nós através de Manuela, porque Willian tinha ido embora para Minas assim que o quadro dela se tornou estável.

Não tive tempo de agradecê-lo ou algo do tipo, num dia ele estava no quarto observando o quadro da minha irmã, no outro já estava num voo para Minas, onde Jaffar também estava. E agora encarando o quarto branco e minha pequena menina deitada, tudo parecia tão distante. Como se tudo tivesse acontecido anos atrás, desde Aninha ficando cega até o momento em que Ana Clara foi chamada ao hospital por Manu. Tudo parecia agora só um sonho ruim do qual todas estávamos acordando numa manhã quente. Era reconfortante.

"Onde está Ana?" --A pequena perguntou. Ela tinha acabado de acordar de um dos seus sonos longos. 

O quarto dela estava intocado desde quando ela praticamente se mudou para o quarto do hospital. A parede branca era exceção, uma vez que todos os coleguinhas da escola tinham passado por aqui, assim que minha irmã começou a receber visitas, e deixado algo escrito ali.

A última vez que eu tinha visto Ana Clara tinha sido quando minha irmã ainda estava internada. Ela tinha saído do meu lado apenas quando alguma cirurgia urgente necessitava acontecer e precisava dela lá, o que era compreensível uma vez que Ana e William já tinham falado com dezenas de jornais de SP e região.

"Você também não sabe, né Vivi?" -- A voz da pequena era calma e triste, como se em algum momento ela tivesse esperado que Ana Clara fosse aparecer e perguntar como iam as coisas.

Ana Beatriz não deveria seguir o mesmo caminho que eu tinha seguido até hoje, o caminho que vê esperança e bondade em tudo, porque não ser correspondido dói. Eu realmente não fazia ideia de onde estava Ana, mas queria saber.

O dia seguiu com minha irmã sendo mimada por mainha, Rafael e Manuela, entre outros coleguinhas que vinham dar um abraço ou algo do tipo, era como se todos que passavam por ali em algum momento tivessem sentido que Aninha não sobreviveria. A sensação era como pode respirar depois de longos minutos embaixo d'água.

"Estou indo no bar, quer ir comigo?"

Manu me encarou desconfiada, deu de ombros e assentiu com a cabeça, exatamente nessa ordem e com essa calma.

"Como está se sentindo?"

Ela perguntou, me concentrei no sinal aberto à minha frente.

"Ainda não sei, talvez eu precise escrever sobre isso e chorar um pouco."

Senti a mão quente sobre a minha e meus olhos ficaram marejados. Eu sentia tanta coisa e ao mesmo tempo não sentia nem minhas mãos naquele volante. Queria que Ana estivesse ali, ou que ela nunca tivesse estado, nunca tivesse dito que não iria mais fugir. Queria que Aninha nunca tivesse sofrido.

"Você ligou para a Ana? Talvez ela esteja esperando um sinal teu..."

A fala da minha melhor amiga coincidiu conosco chegando na porta do bar.

"Estou cansada de deixar sinais que até um cego consegue ver, menos Ana Clara."

Minha amiga me encarou com o semblante triste, como se a ausência de Ana Clara em minha vida também afetasse as pessoas que estavam comigo. Mas já não doía como antes, é como dizem, depois que arde, a ferida sara.

"Vou ao bar com você, não é todo dia que eu consigo ouvir essa voz perfeita."

Sorri como resposta.

Ana Clara.

"Babi, ela não vai achar isso brega?"

"Não, Manuela me disse que Vitória gosta de poemas, você deveria saber disso."

Fazia meia hora que Bárbara estava falando na minha cabeça para que eu escrevesse um poema para Vitória, não que eu já não estivesse planejando isso durante todo o tempo que tenho passado longe dela. E é exatamente por isso que tenho me segurado para não ir atrás dela, porque Vitória consegue saber toda minha verdade apenas com um olhar e eu não conseguiria escrever sobre ela enquanto estivesse convivendo com ela.

"Eu vou escrever quando você não estiver me azucrinando, Babi."

Minha amiga fez uma careta, seguida de um sorriso. Se alguém sabia, melhor do que Vitória, o que eu sentia pela cacheada, era Bárbara. Era bom ter com quem contar mesmo quando eu estava tentando fugir, mesmo quando eu estava tentando consertar as coisas, Babi sempre me passou uma grande segurança, mesmo estando um pouco distante por causa do novo relacionamento.

"Vitória vai cantar amanhã no bar, isso tem que estar pronto até amanhã. Não importa o quanto ela te ama, chega de fazê-la esperar pelas suas respostas que nunca chegam."

Assim ela saiu do meu quarto, me deixando sozinha com uma folha e uma caneta. As palavras dela, apesar de duras, eram verdadeiras, mas agora já não doíam mais tanto assim.


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