Capitulo 37

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Minha cabeça girava, meu estômago dava voltas e mais voltas e eu sabia que não era o efeito do álcool, eu nem tinha bebido direito. Era o efeito Vitória Falcão.

Respirei fundo várias vezes, mal percebi que estava escorada num dos postes de iluminação da rua até sentir minhas costas encostarem no cimento frio. Eu precisava de mais ar, porque Vitória conseguia me fazer perder todos os sentidos e isso somado à presença de Jaffar e ao abraço caloroso tinha me preenchido com a mesma sensação da noite em que perdi Lucas..

Me sentia impotente, inútil, e ainda mais decepcionada comigo mesma por depositar minhas expectativas em algo tão mutável. "Vitória é tão livre quanto o vento." A voz de Bárbara ainda ecoava na minha cabeça. "Não vi nenhum anel de compromisso no dela dela.." A voz de Jaffar apareceu. Manuela me chamando de adolescente insegura dividiu espaço com as várias outras e senti minhas pernas cederem.

De todas as etapas difíceis da minha vida, eu nunca tinha me encontrado sentada na calçada enquanto as lágrimas molhavam meu rosto. Enquanto eu chorava quase desesperadamente ao mesmo tempo em que tudo o que eu queria era desaparecer.

Vitória.

Quando Ana entrou no bar, me senti como na primeira vez em que ela tinha pisado ali. Inevitavelmente, meus pensamentos me trouxeram as lembranças de como terminamos no meu apartamento, de como dançamos entre as pessoas e de todas as sensações que ela me proporcionou naquela noite e naquela manhã.

Podia sentir meu sorriso pra ela, meu rosto doeria caso eu sorrisse ainda mais. Mas ela me prendia na nossa bolha invisível, mesmo que a semana viesse sendo difícil pra nós duas. Ana tinha desenvolvido um ódio mortal por Jaffar, o que eu não conseguia entender a partir do momento em que ele não tinha tentado nada comigo. Pelo contrário, ele parecia ser educado e tínhamos trocado poucas palavras que não tivessem a ver com Ana Beatriz.

Nunca fui fã de ciumes, porque ciume remete à posse e eu não queria ver Ninha como alguém possessiva. Além disso, tínhamos discutido por causa de Jaffar várias vezes e hoje ainda era quinta feira e isso tinha me desgastado um pouco, porque é cansativo justificar uma coisa a qual você não fez.

Mas agora ela tava ali, na minha frente, o corpo pequeno transbordava luz e os olhos de jabuticaba me inundavam do amor dela. Ana Clara sempre teria o sorriso mais lindo desse mundo. E por estar transbordando felicidade, cantei "All Star" para que ela se lembrasse da música que cantei quando a vi ali pela primeira vez. Sentir a presença de Ana Clara depois de ter de me desfazer e me refazer outra vez durante nossas brigas era como cessar fogo de uma guerra.

E, quando desci do pequeno palco, com os olhos grudados nos dela, esqueci de que Jaffar estava ali. A presença de Ana Clara me fazia perder os sentidos. O rapaz moreno se levantou no mesmo instante em que pisei no chão frio do bar e a partir daí foi como se tudo estivesse em câmera lenta. Jaffar me puxou para um abraço apertado, nem mesmo tive tempo de pensar tamanha minha surpresa, tanto que meu sorriso nem se desfez.

Abraçar ele era como abraçar qualquer um ali dentro, menos Ninha. Meu sorriso era dela e para ela. Ao contrário do semblante de Ana Clara, que tirou o sorriso do rosto no mesmo segundo em que Jaffar me balançou no ar. Ele falava coisas do tipo "Você canta muito, Vi!", "Não acreditei quando seu padrasto disse que você cantava tão bem assim" e vários "parabéns!!". Claro que eu estava feliz pelos elogios, mas quanto mais Ana Clara se afastava da mesa mais meu coração doía. Me desprendi dos braços dele, agora com um sorriso forçado.

Merda. Merda. Conhecendo a mente dela como eu conhecia, eu sabia que um milhão de coisas estariam passando por ela agora. Coisas totalmente sem sentido, mas que ela inventava para justificar um simples e sem significado abraço. Pensamentos sobre Jaffar ser melhor do que ela...Vão existir dias em que você vai desejar não conhecer tanto a pessoa que tem seu coração nas mãos.

"Vitória onde você vai?" Ouvi a voz de Manuela se sobressair entre as dezenas de pessoas que estavam ali, todas entretidas demais em seus universos paralelos para notar a dor estampada em mim.

Sabe por que vão existir esses dias em que você vai desejar não conhecer a sua pessoa? Porque conhecê-la te faz aguentar fardos que você não carregaria para um estranho, te faz engolir dores que aumentam o nó na garganta. Eu sentia meus ossos doerem por causa da tensão que eu sentia.

"Vou atrás de Ana Clara." Creio que apenas eu conseguia escutar minha voz, porque ela mal saía.

Não foi difícil, uma vez que eu estava fora do bar, encontrar Ana Clara. Ela estava sentada na calçada sem se importar com a calça branca que ficaria suja. Ela não me viu, obviamente porque cobria o rosto com as mãos e, quando me aproximei o suficiente, consegui ouvir os suspiros pesados e os soluços daquele choro que fazia meu coração doer tanto. Eu não soube o que dizer. Fiquei em silêncio, completamente imóvel, enquanto observava aquela mulher que agora aprecia menina e parecia precisar muito de colo.

Eu não sabia se era, agora, meu colo que ela queria. Porque todos os meus esforços tinham sido em vão durante essa semana. E mesmo que meu coração estivesse partido, mesmo que meu coração batesse entre todas aquelas dores, Ana Clara não parecia se importar. E por conhecê-la, eu queria acreditar que ela não fazia ideia de como eu estava. Mesmo que as palavras dela tivessem feito surgir as malditas lágrimas.

"Acho melhor você voltar lá pra dentro, Vitória." Ela começou, sem tirar as mãos do rosto. A voz dela era séria.

"Ana Clara.."

Tentei falar e ela me interrompeu na mesma hora:

"Não quero ouvir que não é nada do que eu tô pensando." Ela me encarou com os olhos vermelhos e as palavras saíram mais amargas do que eu esperava.

Vê-la daquele jeito me deixava fraca, e eu sentia que cederia a qualquer momento, como se a dor fosse mesmo me fazer sucumbir. E as palavras dela me deixaram tonta, Ana Clara estava cuspindo toda a dor dela em cima de mim enquanto eu me forçava e engolir a minha.

Sempre nos deparamos com aquela frase: "O que você faria com 30 segundos de coragem insana?". E ela passou pela minha cabeça enquanto meus olhos estavam grudados nos de Ninha. Foi como se ventasse no inferno, e meus trinta segundos sugiram junto com a vontade súbita de correr dali. Juntei todas as minhas forças e quando o amor que sinto por ela quis falar mais alto, o mandei para o inferno dessa vez.

Como se em flashes, eu conseguia ouvir minha respiração acelerada e o eco dos meus passos no asfalto. Eu estava caminhando para longe da minha felicidade, para longe da minha dor. Para longe de um caos que eu nunca tive, que nunca me fez duvidar de mim mesma. Eu estava indo para longe de Ana Clara Caetano Costa, o amor da minha vida.

CHAOSOnde histórias criam vida. Descubra agora