Capítulo 27

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Ana Clara estava tão distante quanto estava conseguindo. Eu tinha deixado as coisas em São Paulo e pegado o primeiro avião assim que li o post it dela. Deixei Aninha no hospital e minha mãe com ela. Deixei Manuela com Luana me encarando perplexas enquanto eu saía do meu apartamento e corria pelas escadas.

Minha mente tinha tentado processar todos os erros que eu poderia ter cometido. Qualquer detalhe que pudesse explicar o surto de Ana Clara. E a ligação de Bárbara explicou tudo assim que desci do táxi em frente à minha casa, em Araguaína.

"Ei, Vi, Aninha perdeu um paciente no qual ela depositou todas as esperanças de um procedimento que seria bem sucedido. O Lucas. Mas ele acabou falecendo, não saiu da mesa. Agora ela tá fugindo dela mesma e você vai ter que entender isso caso queira Ana Clara de volta."

Fiquei tanto tempo em silêncio que ela acabou desligando. Me perdi entre as casas da rua bem iluminada, as madrugadas dali eram lindas demais. Mas agora a nostalgia e dor em minh'alma não me deixavam ver beleza em nada. Com certeza sabia que Ana Clara estava fugindo, ela tinha o direito de querer se esconder do peso que a vida tinha colocado nela.

Mas ela já estava distante antes, quando a deixei no hospital. Ela já estava correndo de mim. Eu disse que a amava porque não havia motivo para não fazê-lo. Se você sente algo, o mais fácil a fazer é dizer. Caso contrário você passa a vida toda se lamentando do porquê de não ter dito ou se perguntando como as coisas seriam. No meu caso, eu já tinha a resposta: Ana Clara ficaria presa em questionamentos internos e graças aos acontecimentos recentes isso contribuiria para que ela quisesse desaparecer.

As pessoas não percebem o quanto são previsíveis. Meu coração doía por sentir que estava perdendo aquele ser que iluminava meu dia do começo ao fim. Minha alma estava tão cansada, como se eu pudesse ficar invisível tamanha a força que eu realizava para me manter focada e não desistir.

Não consegui ficar dentro de casa, da casa que me lembrava toda a infância e adolescência e todos os momentos de uma vida que jamais voltaria, sabendo que Ninha morava no fim da rua. Ela nunca deve ter nem mesmo imaginado que nossas mães foram tão próximas.

Fui atrás dela, sendo enxotada de lá em menos de 10 minutos. Não voltei pra casa, deixei que as lágrimas molhassem meu rosto e cobrissem minha visão. Ela tinha o direito de se esconder, de se encontrar ou seja lá o que ela estivesse procurando aqui, mas não tinha o direito de agir como se todo o mundo pudesse girar em torno dela.

Praguejei com o universo, quis gritar para que ele fosse mais justo comigo. Minha irmãzinha estava morrendo, meu pai tinha morrido ali e minha mãe vivia com um homem nojento com o qual eu era obrigada a conviver todos os dias. Eu sempre quis ser mais, mais do que eu conseguia, fiz do universo meu amigo mais próximo e entreguei minha alma pra ele. E agora ele devolvia tudo isso com uma merda de um câncer incurável e uma crise de identidade para Aninha e Ana Clara?! Quis mandar todas as forças do universo e todas as entidades para o inferno, porque eu estava passando por ele e carregando a merda de um sorriso apenas para que ninguém se preocupasse com maid alguém.

Respirei fundo. Mais tarde procurei a garota para a qual eu entreguei meu coração e ela e deixou sozinha na pracinha. Os restos do meu coração se quebraram outra vez. Eu conseguia sentir minha garganta seca todas as vezes que pensava nela.

Cheguei a ficar com raiva por ela não entender que eu também tinha minhas dores e minhas fraquezas e que ela tinha sido a pessoa que eu tinha escolhido para descansar meh corpo e minha alma. Mas Ana Clara não me escolheu, em nenhum momento. E estava fugindo outra vez.

Voltei pra casa e joguei na cama. A foto do dia das crianças que passamos todos juntos estava na parede. Ana Clara sorria aberto apenas para mostrar a falha no meio dos dentes, a franja que ela mesmo tinha feito estava bagunçada. A menininha morena parecia tão feliz quanto eu naquele dia.

Os dias que passei me controlando para não ir atrás dela me fizeram repensar tudo pelo quê eu estava vivendo ultimamente. Eu não podia depender tanto de alguém que não me considerava seu ponto seguro. Eu não podia conviver com alguém que abomina meu estilo de vida e minha personalidade, eu nem mesmo o considerava da família. Aninha estava morrendo.

Minha bonequinha estava morrendo e eu estava correndo atrás de alguém que não me queria por perto. Aninha estava morrendo e eu não ia conseguir passar por isso se dependesse de alguém que não suporta a própria dor. Decidi então que não iria pressionar Ana Clara outra vez.

Já era quase quarta feira. Manuela tinha me ligado mais cedo e avisado que o médico novo tinha chegado na segunda. Eu voltaria para São Paulo. Refiz a mala pequena, peguei a fotografia em que estava junto com Ana, Luana, Bárbara e Aninha e a guardei junto com as roupas. Já estava dentro do carro que eu tinha alugado no aeroporto quando passei pela casa dela e pisei no freio bruscamente.

Eu nunca tinha sido o tipo de pessoa que desiste antes de sentir que tentou tudo o que podia.

Abri meu coração para Ana assim que ela me deixou entrar. Ela estava realmente horrível, as olheiras fundas e escuras e a voz quase não saiu.

"Quero ser bem sincera com você, Ninha. Tu me escuta primeiro e depois pode falar." Ela assentiu. "Tu tem que se deixar ser. Deixar a gente ser. Tu tem que se permitir amar enquanto tem amor aqui. Eu gosto tanto de você, como nunca gostei de ninguém nesse mundo enorme. Mas eu não posso te dizer que vou estar aqui amanhã. Não posso te prometer isso, porque mesmo que minha alma seja tua e meu coração só perca o ritmo com você, meu corpo vai encontrar que queira ficar."

Respirei fundo. Meu peito doía a cada movimento que eu fazia olhando naqueles olhos medrosos.

Queria que ela me entendesse como eu estava tentando entender tudo pelo que ela estava passando, mas eu não era de ferro. Eu era tão humana quanto ela. E tinha em mim limites que eu não conseguia ultrapassar nem mesmo por ela.

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