Capítulo 32

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O dia praticamente se arrastou entre uma consulta e outra, mas eu estava feliz. Me sentia completa simplesmente por cada sutura, ou grampeamento de aneurisma, e mais ainda por não ter encontrado nenhum paciente com idade menor do que vinte anos. Ainda não me sentia preparada para atender uma criança, nem um câncer incurável. 

Só consegui voltar ao quarto de Ana Beatriz quando já era quase onze da noite e Vitória descansava a cabeça ao lado da cama, a mão de Aninha entrelaçada na dela. A imagem me fez sorrir, mesmo sabendo que a dor no pescoço que aquilo causaria não seria engraçada para Vitória. Observá-la era minha coisa preferida no mundo, assim como beijá-la, ou vê-la sorrir e mais tantas outras coisas.

"Amor, vamo pra casa." Sussurrei baixo para não acordar a menininha que dormia um sono tranquilo ao meu lado. Vitória nem mesmo se mexeu, o que me fez sorrir ainda mais. Aproveitei para observar o monitor de Aninha e ver se estava tudo bem, ela tinha emagrecido e os cachos cor de sol já tinha tempo não estavam mais ali. "Vivi, acorda." Sussurrei outra vez, dessa vez toquei o rosto dela e deixei um beijinho em sua testa.

Vitória resmungou alguma coisa e a voz rouca me fez arrepiar, praguejei por sentir que ela tinha tanto efeito contra sobre corpo. Ela abriu os olhos devagar e sorriu fraco, para em seguida bocejar ainda tentando focar em alguma coisa.

Beijou as bochechas de Ana Beatriz e estendeu a mão para entrelaçar nossos dedos, resolvi deixar a política do hospital um pouco de lado e segurei a mão dela, sentindo a palma quente contra a minha. Andamos em silêncio, às vezes os momentos não nos pedem palavras. A sensação de estar com Vitória me transportava para outro mundo sem que eu nem mesmo percebesse.

"Vamos pra onde?" Ela quebrou o silêncio assim que paramos no estacionamento. Vitória me sorriu lindamente e como estávamos fora do hospital, me permiti beijá-la. O gosto doce da boca dela me invadiu, a língua quente dançou com a minha e minhas mãos frias a seguraram pela cintura, trazendo o corpo dela de encontro ao meu. Era como se nunca fôssemos precisar de oxigênio, até que alguém pigarreou a uma curta distância de nós. Não me soltei de Vitória, apenas terminei o beijo com um selinho demorado e, quando me virei, me senti imensamente feliz.

"Dr. Jaffar!" Vitória se assustou, enquanto o sorriso no meu rosto era total cinismo.

Ele parecia desconcertado diante da cena, enfiou as mãos no bolso da jaqueta preta e encarou o chão por um segundo. Pra falar a verdade, ele é um rapaz bonito. Não. Ajeitadinho, Ana Clara.

"Precisa de alguma coisa, doutor?" Perguntei séria. Vitória percebeu o tom da minha voz e apertou minha mão na dela, me olhando de lado.

"Hm...sim, na verdade, preciso de Vitória."

"Oi?" O interrompi no mesmo instante.

"Não nesse sentido, claro que não. Eu...meu pai...o padrasto dela me disse pra ficar na casa dela enquanto me ajeito em São Paulo."

Encarei Vitória no mesmo segundo e ela tinha os mesmos olhos arregalados que eu.

"Olha, eu vou te dar uma segunda chance pra falar." A voz de Vitória saiu firme.

Jaffar respirou fundo.

"Eu ainda não tenho um lugar pra ficar, meu pai tá ficando na casa da dona Isabel, mas é só um quarto." Ele respondeu tentando soar mais sério.

"O que eu tenho a ver com isso?" Sorri internamente por ver que Vitória também não estava gostando nada daquilo.

Eu queria socar a cara do padrasto dela, por todos os motivos possíveis, mas ainda mais por estar ignorando que Vitória ME QUERIA, e que isso não vai mudar seja lá qual for o macho que ele quiser arrumar pra Vitória.

"Ele disse que você me receberia por uma semana." O jeito que ele falava,  como se ele fosse algum galã das novelas de época, estava me deixando ainda mais irritada.

Vitória de virou de costas pra ele e seus olhos ficaram distantes, até ela me encarar e sussurrar:

"Preciso fazer isso, por Aninha. Meu padrasto está bancando boa parte dessa pesquisa."

Pensando por esse lado, Vitória até poderia estar certa caso não fosse abusivo demais da parte daquele homem desgraçado. Suspirei. Eu não tinha nem o direito de ter ciumes, mas a idéia de alguém dormindo e acordando no mesmo lugar que Vitória me consumia. O simples pensamento de ter alguém a olhando dentro daquele apartamento que não fosse eu me fazia querer socar a primeira parede que eu encontrasse.

"Tudo bem."

Ela disse por fim e entregou pra ele o endereço do apartamento.

CHAOSOnde histórias criam vida. Descubra agora