Capítulo 48

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Olha, eu precisei beber a semana toda para escrever isso daqui, espero que cêis gostem e eu volto quando der.♥

Ana Clara chegou no hospital direto para a enfermaria, claro que não fui atrás dela para saber, mas eu já tinha ficado tempo demais naquele hospital e tinha feitos algumas amizades ali também.

Aninha estava acordada e brincava com a folha de papel em branco que eu tinha trago pra ela.

"Vivi, tu já pensou que seria mais legal se na vida tivesse uma borracha, igual dessas que apaga no caderno, mas aí ela apagaria as coisas ruim."

Pronto, Ana Beatriz era filosofia pura.

"Mas que graça teria se a gente pudesse apagar tudo?"

Ela me encarou como se fosse óbvia a resposta.

"Porque daí eu podia apagar ,eu câncer."

Silêncio. Silêncio. Respiração capenga vindo de Aninha. Meu olhos já cheios d'água, as mãos tremendo e o choro, entalado na garganta.

Não conseguir reagir diante desse tipo de situação tinha se tornado comum, porque eu não tinha resposta pra toda essa merda acontecendo e era desgastante demais fingir que eu tinha algumas delas, mesmo que até mesmo as respostas se tornassem dúvidas.

"Tua cirurgia é daqui uma semana, Aninha."

Engoli o choro. Ela encarou a folha em branco.

"Eu sei, eu sonho com isso todos os dias, Vivi. Mas eu tô ficando puta com Deus e..."

"Opa, pera lá, quem te ensinou a dizer isso?"

Ela meio que riu, meio que fez careta.

"Tia Bárbara e a Manu, mas elas não me ensinaram, eu ouvi elas falando só."

Realmente, elas eram as primeiras pessoas que deveriam passar pela minha cabeça quando a questão fosse piadas sem graça e dialeto assim, então sorri para Aninha e ela continuou:

"Deus tem que me dar o direito de estar puta, porque eu estou doente, e mamãe foi embora e papai também e eu sinto falta deles. Tu tá aqui, Ana está aqui, mas vocês estão cansadas e eu também, muito pra uma criança."

Foi ela terminar de falar para que eu caísse num choro incrivelmente dolorido e que estava guardado há um longo tempo. Tudo em mim doía, como sempre, mas a mãozinha fria dela sobre a minha tornava as coisas mais pesadas.

Não sei por quanto tempo eu chorei, mas Aninha permaneceu em silêncio, e quando olhei para cima, Ana Clara era encostada na porta fechada do quarto e seus olhos também estavam vermelhos. Seu olhar era dócil e calmo, mesmo que eu reconhecesse a dor daquele olhar.

"Tia Naclara, Vivi precisa tomar um café..."

"O que houve?"

A voz de Ana Clara era calmaria, mesmo que trêmula agora.

"Porque eu disse que estou puta com Deus por me deixar tão cansada e vocês também."

A voz infantil não tinha raiva, mas também não tinha tristeza, ela falava com convicção e talvez ela esteja certa mesmo. Seja lá qual o deus ela estivesse falando, todos eles estavam ignorando toda esse turbilhão?

"Aninha..."

Ana Clara sentiu a mesma coisa que eu quando ouvi a pequena falando aquilo, ficou atônita e agora a dor era mais visível naqueles olhos castanhos.

"Leva a Vivi pra tomar um café, porque eu não quero que ela fica chorando e só tu faz ela parar."

Ela me encarou, meio questionando meio implorando. Me levantei em silêncio, beijei a testa da mais nova e assenti, já de frente para Ana. 

Andamos em silêncio até a cafeteria do outro lado da rua e era possível sentir o calor emanando do corpo dela e irradiando o meu. Pedimos o mesmo café e nos sentamos de frente uma para a outra na mesa mais afastada possível, não era como se eu ou ela estivéssemos nos sentindo desconfortáveis, mas fazia tanto tempo desde que tinha ocorrido um momento Vitória Falcão e Ana Caetano que tudo em mim tremia ainda mais.

"Aninha não disse por mal."

A voz dela soou. Era incrível a sensação de poder encarar aqueles olhos castanhos.

"Eu sei que não, mas é quando ela fala sobre isso que me volto para a dor que ela sente, Ana."

O choro fez doer minha garganta mais uma vez. Ela, lentamente, se ajeitou melhor na cadeira.

"Não é como se ignorássemos a dor dela, mas Aninha sempre parece estar lidando melhor com toda essa dor, o que não é verdade já que a maior parte do tempo ela está chapada de remédio, entende?"

Continuei e Ana assentiu com a cabeça, logo em seguida bebendo um pouco do café preto.

"Falta pouco para que ela passe por isso, a cirurgia é no final da semana que vem e eu ainda consegui permissão para assistir dentro da sala."

"Não confia em William?"

A olhei desconfiada, meio rindo da cara que ela fez e meio preocupada pela mesma careta.

"Confio, de verdade, ele não perdeu nenhum paciente desde que entrou aqui. Mas eu quero estar lá com Aninha enquanto você não vai poder estar. A gente se reveza quando ela sair da sala de cirurgia e..."

"Então você acredita que ela vai viver?"

Ana Clara me olhou como se eu tivesse falado a coisa mais óbvia do mundo, mas à essa altura do campeonato, eu já não tinha mais certezas nem crenças nem nada que me fizesse acreditar que tanta coisa ruim pudesse resultar em algo bom.

"Claro que sim, Vitória! Esse é um tratamento caro, acha que estariam usando as doses e os remédios com Ana Beatriz caso ela fosse um caso perdido? Não!"

Ela fez uma pausa e subitamente segurou minhas duas mãos entre as dela.

"Aninha vai passar por isso e você vai passar por isso e eu, por deus, Vitória, por deus, eu vou passar por isso."

Era possível também sentir o medo, a raiva, a dor na voz dela. Ana Clara sempre foi muito transparente em relação as coisas que sente e sua voz sempre entrou isso, era bom que eu pudesse fazer isso, a sensação de estar sozinha era amenizada.

Ela apertou minha mão e em um estalo voltamos à parte em que já não éramos, há muito tempo, um casal, e ela as soltou rapidamente já tomando outro gole do café.

Silêncio. Alguns minutos até eu terminar de tomar o líquido quente e sua voz surgiu de novo:

"Fiquei sabendo que Jaffar vai ir pra Minas, eu..eu sinto muito."

"Pelo quê?"

Sorri.

"Vocês são amigos e, sabe, sei lá, essas coisas são ruins né..."

Ana se embaraçou toda enquanto eu ainda à encarava, o que fez com que ela ficassem vermelha.

"Não somos amigos, inclusive, fiquei feliz quando ele me contou."

Agora não era mais transparente a reação no rosto dela, então continuei:

"Jaffar bagunçou uma vida que eu lutei muito para ter, que era ao teu lado, Ana, ele indo embora me faz sentir que pelo menos um pouco dessa nuvem negra em cima de mim está dissipando."

De onde consegui tirar coragem para falar, sinceramente não sei, mas agora Ana Clara me encarava de um jeito que eu já tinha visto antes e fazia meus ossos doerem.

CHAOSOnde histórias criam vida. Descubra agora