Capítulo 4

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A parte mais difícil foi explicar para Isabel como tinha acontecido, mas ela parecia tão agradecida. Ela sorria, ela parecia tão sol no meio da minha chuva e eu não conseguia entender.

"Você salvou minha filha, doutora. Você salvou tudo o que eu tenho e a visão não é nada perto da vida que ela ainda vai ter." Ela disse. Outra vez as mãos quentes amparavam as minhas, como se fosse eu quem precisasse de apoio naquele momento.

"Eu vou fazer novos exames e pesquisar todos os casos assim que já passaram por mim e nesse hospital, eu vou fazer tudo ao meu alcance pra trazer a visão dela, dona Isabel." Respondi, me praguejando pela voz embargada. "Mas agora vou dar tempo pra senhora ficar lá com ela."

Ela sorriu pra mim mais uma vez e me abraçou. Eu queria falar sobre como ela conhecia minha mãe, como ela me conhecia, e talvez como estava as coisas em Araguaína, mas não conseguia abrir a boca para dizer tais coisas.

Ela então seguiu para o quarto que parecia estar em festa, a voz de Ana Beatriz podia ser ouvida de onde eu estava e sorri sem perceber. Manuela veio ficar comigo por alguns minutos antes de me agradecer mais uma vez e dizer que a culpa não era minha. Assenti quando ela voltou para o quarto, o sorriso brincando nos lábios.

Estava a ponto de dormir enquanto andava na sala de espera quando um corpo se chocou contra o meu. Com certeza minha índole tinha ido pro chão junto comigo, quando caí sentindo o impacto contra meu ombro. Em seguida uma risada boa soou e alguém me estendeu a mão.

"Tu me desculpe." Ela disse apressada. "Eu tava andando com tanta pressa que nem vi tu aqui, miudinha desse jeito!" Ela gesticulava e apontava e falava ao mesmo tempo, tão rápido e sorridente, enquanto eu estava ali. Parada, encarando a pele pálida, os olhos meio-marrom-esverdeados, e os cachos volumosos que cobriam os ombros. E pude jurar, pela feição dela, que eu tinha ficado congelada ali. "Tudo bem, moça?" Ela pareceu preocupada.

"Tudo. Tudo." Ajeitei o jaleco no meu corpo e sorri sem graça. "Tudo bem." Respondi mais uma vez. O sorriso me parecia tão familiar, foi inevitável não sorrir de volta enquanto ela me encarava.

"Eu queria encontrar o quarto que a minha irmãzinha tá.." Ela disse pensativa, observando todas as portas. Seus olhos varriam o local como se tudo ali fosse visto pela primeira vez. Me perdi nas palavras dela até que ela falou outra vez: "Ana Beatriz o nome dela, moça." 

O jeito que ela me chamava de moça era completamente encantador e balancei a cabeça antes de assentir para ela. "Ah, claro! Claro que é!" Falei mais alto e surpresa do que eu esperava, sentindo minhas bochechas queimarem. "Eu sabia que já tinha visto esse sorriso e esse cabelo em algum lugar." Eu disse mais pra mim do que para ela, querendo me enfiar debaixo de qualquer cadeira ali quando percebi que o tinha dito.

"Vou encarar isso como um elogio...Ana Clara." Ela fixou os olhos no meu nome bordado no jaleco e sorriu. "E tu sabe onde Aninha tá?"

Respirei fundo e dei um passo para trás, vendo que ficar perto daquela garota não estava ajudando muito na minha linha de raciocínio. 

"Sim, eu sou a médica que realizou a cirurgia da sua irmã. E ela está no..." Não consegui terminar a frase, sentindo o corpo dela se jogar contra o meu, dessa vez em um abraço apertado e incrivelmente...cheiroso. Ela cheirava à café da manhã na praia, à flor de cidade do interior, tão pura. 

Ela pronunciava palavras que saíam abafadas em meu pescoço, me fazendo arrepiar. Me lembrei de Manuela dizendo que a irmã de Ana Beatriz queria poder me agradecer, mas não tinha imaginado que seria num abraço tão demorado e regado de "obrigada, obrigada, muito obrigada mesmo!" Sorri e disse que estava fazendo o meu trabalho.

A levei até o quarto onde a garotinha agora dormia, cercada por Manuela e Isabel, que a observavam como se ela fosse algum tipo raro de porcelana.

"Tá entregue." Eu disse a ela, que sorria com os olhos marejados enquanto observava a cena. 

"Eu nem me apresentei pra tu, ne?" Assenti meio sem jeito. Eu sabia que não importava quantos anos eu tivesse, quando alguém com olhos bonitos, como os que encaravam, me fitasse, eu ficaria sem palavras. "Vitória Falcão." Ela estendeu a mão e a apertei.

"Ana Clara Caetano." Respondi. Ela sorriu outra vez. Ela era tão sol quanto isabel, aquecia meu peito saber que eu tinha ajudado uma família como aquela.

Ela me agradeceu mais uma vez, entrando no quarto em seguida. Fiquei ali por mais alguns minutos, pensando que veria Vitória sorrir pra mim ainda mais caso eu conseguisse recuperar a visão de Ana Beatriz e me repreendi imediatamente por tais pensamentos. 

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