nove | d i v e r s ã o

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— Finalmente uma receita normal!

Comemoro, após ler o cardápio do dia.

— Você nunca vai parar de implicar com a alta gastronomia?

— Enquanto ela incluir lesmas e fígado de ganso, não.

Eleanor ri.

— Como você passou a noite? Está com uma carinha tão abatida.

— Ah, ainda estou me acostumando com os ares de Manhattan...

— Sente falta dos amigos do Brooklyn, não é?

— Muita. Nos falamos todas as noites pelo telefone, mas não é a mesma coisa, sabe? Costumávamos estar juntos todos os dias, o dia todo. É difícil desapegar.

— Eu te entendo, querida. Te entendo mesmo.

Eleanor acaricia meus ombros, quase maternal. Seu gesto me dá um novo ânimo.

Minutos depois, iniciamos o preparo do almoço.

— Batatas descascadas, chef.

— Oh, merci. — Eleanor faz uma exagerada reverência.

— Eu não sei dizer "De nada" em francês. — Retribuo a reverência imitando um sotaque francês tosco, que arranca risadas de Eleanor.

— Que bom que você se animou. Agora vá picar algumas cebolas.

— O ânimo se foi. — Baixo os ombros.

— Pois trate de pegá-lo de volta. Vamos!

Dou um muxoxo de insatisfação, antes de começar a árdua tarefa.

Lágrimas mais tarde, inicio o preparo de um molho madeira, seguindo com atenção a receita de Eleanor.

— O conhaque é para eu beber? — Pergunto, com um grande sorriso.

— Claro que não, engraçadinha.

— É para quem, então?

— Para o quê. O molho.

— Ah, ele bebe?

Eleanor revira os olhos, tentando segurar o riso.

— Jogue e você descobrirá.

— Ok.

Despejo o conhaque no molho.

— CARAMBA!

Afasto, bem a tempo, meu rosto das chamas que sobem ameaçadoras por toda a frigideira.

— O molho está pegando fogo! — Encaro, assustada, a frigideira em chamas.

— É exatamente o que ele deveria fazer. — Eleanor responde erguendo o pequeno copo, agora vazio. — Você acaba de flambar seu molho.

— Eu... O quê?

— Ah, eu adoro essa parte!

Isabelle surge na cozinha com um livro nas mãos.

— Qual parte? A que a Lisa aqui quase fica sem as sobrancelhas?!

— Não... É claro que não. — Isabelle se apressa em responder.

Eleanor ri descaradamente.

— Já pensou, Elisa... Você, com as sobrancelhas todas chamuscadas? — Ela dobra-se de rir.

— Não estou achando um pingo de graça, Eleanor. — Fecho a cara.

Isabelle resiste a tentação de se juntar às gargalhadas de Eleanor, folheando com rapidez o livro à mão.

ImperfeitosOnde histórias criam vida. Descubra agora