Torture

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"Eu sou amiga do monstro que está debaixo da minha cama

convivo bem com as vozes dentro da minha cabeça

Você está tentando me salvar, pare de prender a respiração

E você acha que eu sou louca, sim, você acha que eu sou louca"

(Rihanna feat Eminem - Monster)

Era meu quadril o que mais estava dolorido, qualquer movimento provocava dor. Porém, um novo tipo de incomodo estava surgindo em meu peito, não conseguia entender o porquê tive de levantar sozinha do chão enquanto mamãe, com as mãos tremulas, terminava de limpar o corte em seu dedo. Quando a pia estava limpa, nenhuma gota de sangue respingada, trancou-se no banheiro e ouvi o som do chuveiro sendo ligado, também pude distinguir soluços. Ela estava chorando.

Mais tarde naquele dia, perguntou como eu estava, o olhar demonstrando preocupação. Voltamos a nos falar normalmente apenas no outro dia, aquele assunto esquecido, achava, mas todas as vezes que olhava para o curativo mal feito em seu dedo, procurava entender o porquê de ter agido daquela forma.

Passei a observá-la melhor depois disso, cada dia que se passava me mostrava o quanto emagrecia, amarrava shorts e calças jheans velha com cordão e fios, mas era obvio que nada estava mais cabendo nela, os ossos das costelas eram visíveis, os dos ombros palpáveis e suas bochechas perderam o tom rosado para transformar-se em algo quase cadavérico e essa ultima palavra foi a do dia hoje em minha escola, apenas agora consegui definir o que tanto achava do seu rosto magro e pálido.

Não entendia o porquê daquilo tudo, de noite ela tinha pesadelos, seu corpo suava perto do meu, tentava ajudar, mas sequer sabia como. Meu amigo, o qual sabia tudo sobre o que estava acontecendo, disse que ela precisava de um médico, mas quando sugeri isso, fechou os olhos e suspirou, abaixou-se para ficar no mesmo tamanho que eu e prometeu que tudo ficaria bem.

Contudo, tudo aconteceu o oposto, nossa casa estava velha, goteiras molhavam tudo quando chovia, mamãe chorava enquanto te ntava fazer alguma coisa, nossas velas acabaram e mal conseguíamos enxergar uma a outra quando anoitecia. O tempo que passava com meu amigo era dividido entre brincadeiras e minhas reclamações, ele escutava todas com atenção e prometia ajudar também, só que eu estava tão cansada de promessas sem fundamento, mamãe prometeu que tudo ficaria bem e as coisas só estavam indo por água abaixo, jurou que papai viria para nos ajudar, mas quando a perguntava sobre isso suas mãos tremiam e mudava de assunto.

Queria um pouco de certezas, quando sonho pareço tão grande, mas sei o quanto sou pequena, tenho noção das coisas que terei de conquistar, dos grandes desafios a minha frente, amo minha mãe, mas não quero permanecer o resto da vida esperando por alguém que não vem, presa em uma casa enquanto as pessoas ao meu redor possuem as melhores coisas da vida.

- Precisa entender que fiz tudo que pude para não fazer você se sentir dessa forma – mamãe disse quando contei como me sentia – Eu sei que é difícil, na sua idade as crianças não deviam ter que passar por isso.

- Papai não irá vir, não é? – perguntei enquanto sentia meus olhos arderem em lágrimas – Mamãe, não minta para mim.

- Eu... – engoliu em seco e silenciou-se, nenhuma palavra dita enquanto derramava algumas lágrimas, em seguida respirou fundo e beijou minha testa. Fiquei parada na mesma posição enquanto ela saia porta a fora, as costas tensionadas e uma expressão cansada no rosto. Então, a culpa encheu meu coração, como pude dizer aquelas coisas? Deveria ter sido mais compreensiva.

Good Enough - 1ª TemporadaWhere stories live. Discover now