NINE | PURPOSE

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Com um clima tenso entre nós, começamos a vistoriar as casas da pequena cidade. As ruas eram bem calçadas e as casas eram de grande porte, apesar da maioria estar destruída ou caindo aos pedaços.
Por isso, nos dividimos em pequenos grupos para cobrir o maior número de casas possível.

Imagino como seria a vida deles antes de tudo isso, aposto que durante o dia as crianças davam cores à essas ruas com seus brinquedos enquanto seus pais cuidavam de seus carros ou de seus jardins.

- Limpo! – Margot gritou da cozinha da casa em que estávamos.

Eu fiquei responsável pelo primeiro andar.

Com meu revólver em mãos, empurrei a porta do primeiro quarto com o pé e observei que o mesmo não continha nenhuma ameaça. Ele tinha uma cama de casal no centro com um guarda-roupa caído ao lado.

Caminhei até o próximo quarto e fiz exatamente a mesma coisa, contudo acabei encontrando um esqueleto infantil sob um lençol colorido em cima de uma cama de solteiro. Abaixei a minha arma e minha mente me fez lembrar logo do Wally. Eu esperava que ele e minha mãe estivessem bem, afinal o conselho descobriria que eu havia saído do bunker sem a permissão do Capitão e eles fariam a minha família pagar por isso.

Fiquei tão chocada com o esqueleto em minha frente que não percebi que o quarto possuía um banheiro e, pior, que dentro dele havia um morto que não demorou muito para me atacar.
Foi tudo muito rápido. Em um minuto eu estava olhando para a cama e, no outro, eu estava sendo imprensada contra a parede por um morto que estava querendo me estraçalhar. Eu não consegui reagir, o meu corpo travou.

Me assustei quando uma lâmina atravessou o cérebro da coisa, a fazendo ficar imóvel e cair aos meus pés. Atrás dela estava o Aiken, segurando uma faca.

- Limpo! – gritou, avisando para os outros – segunda vez que eu te salvo, temos que parar de nos encontrar desse jeito – ele brincou com um sorriso no rosto.

- Eu não pedi a sua ajuda – retruquei no meu tom mais rabugento, saindo do cômodo. Não gosto que as pessoas achem que sou uma garota indefesa.

- Um "obrigado" já estaria de bom tamanho – o escutei dizer antes de me afastar por completo. Desci os degraus com Aiken atrás de mim.

Charles apareceu na sala com três livros embaixo do braço enquanto o restante de nós carregávamos comidas enlatadas que, apesar de estarem fora da validade, estavam sem nenhuma violação nos lacres.

- Eles tinham uma biblioteca particular interessante – ele disse, guardando os livros dentro de sua mochila.

- Eu achei isso – Margot mostrou um recipiente com alguns comprimidos. Remédio.

- Bom trabalho! – Aiken a elogiou e ela sorriu, Charles os encarou com os olhos estreitados.

- Não seja ciumento – eu sussurrei ao passar ao seu lado e ele se espantou, acabando por se engasgar com a própria saliva.

- E-eu não sei do que você está falando – gaguejou.

- Tudo bem, Charles, seu segredo está trancado à sete chaves – eu o garanti com um sorriso e uma piscada.

- O Capitão Carter está os chamando. Ele achou uma casa boa para passarmos a noite. – Victória disse na porta da casa.

Assentimos e a seguimos.

(...)

Depois de fecharmos toda a casa e tamparmos as janelas com lençóis para que a luminosidade não atraísse mais mortos, acendemos algumas velas espelhadas pelo chão empoeirado e nos acomodamos para fazer a nossa primeira refeição do dia. O sol já tinha se posto. Abrimos os enlatados que encontramos e dividimos entre nós junto às nossas rações que trouxemos do Bunker.

- O que vocês faziam antes de saírem do abrigo em que estavam? – Ayla perguntou antes de botar uma colher de sopa na boca.

- Eu trabalhava na guarda junto ao meu pai – Carter foi o primeiro a responder – Ele é o general – acrescentou.

- Eu era engenheiro. Trabalhava no sistema de oxigenação, ventilação e água. – Amon respondeu com um sorriso, ele parecia gostar do que fazia.

- Eu trabalhava na equipe médica – Margot se pronunciou – Eu era enfermeira – ela explicou.

- Eu auxiliava o nosso professor e organizava os livros da biblioteca – Charles disse logo após.

- Eu ajudava na cozinha – Victória se limitou a dizer, botando uma mecha de seu cabelo ruivo para trás da orelha.

- Eu estava treinando para fazer parte da guarda – Karl disse.

- Eu limpava – foi minha vez de dizer e eu ouvi alguns dos recrutas rirem – Quando você é marcado desde sua infância por um erro de sua família, não lhe resta muitas opções – dei de ombros, não me envergonhando.

- Vocês tinham médicos, comida e água, engenheiros e guardas. Por que, diabos, saíram da base de vocês? Pelo que disseram, ela me parece ser um paraíso – Ayla parecia confusa e curiosa.

- As coisas começaram a acabar. Nada é infinito. – Carter disse, tomando o resto de água que trouxe com ele.

- Aquilo estava longe de ser o paraíso – pensei alto.

- Chega de papo! Acordaremos junto ao sol amanhã – Carter disse batendo as mãos para que nós nos mexêssemos.

Os guardas noturnos ficariam no andar de cima, vigiando a frente da casa pelas janelas de um quarto. Victória tratou de apagar as velas.

Eu havia tirado um colchão de uma das camas lá de cima e havia o trazido para baixo, para servir como cama para mim e para Margot que arrumou lençóis velhos e rasgados para nos cobrirmos. De longe, seria da maneira mais confortável que a gente já tinha dormido há dias. Mesmo os nossos pés estando do lado de fora e a poeira tampando os nossos narizes. Contudo, no meio da noite, como todas as outras, eu acordei assustada e ofegante. Havia sonhado pela milésima vez com os gritos agonizantes dos recrutas mortos.

- Ei, você está legal? – Margot perguntou ainda sonolenta.

- Estou. Volte a dormir. – Pedi, me levantando e a dando mais espaço no colchão.

Subi as escadas da casa, no escuro, indo em direção ao quarto em que estavam os guardas da vez. Encontrei Ayla e Aiken brincando com um jogo de tabuleiro no chão.

- É a minha vez no turno, quem vou render? – perguntei entrando no cômodo.

- Se importa? – Ayla se dirigiu ao irmão que negou – Bom, então estou indo nessa – ela se levantou e desceu. Fui até a janela e sentei na base da mesma.

- Outro pesadelo? – Aiken perguntou, se levantando. Assenti, olhando para fora da casa. Tinha alguns mortos perambulando de um lado a outro, mas nenhum era uma ameaça de fato. – Como são?

- Como são o quê? – franzi a testa.

- Os pesadelos – ele se sentou em minha frente.

- Eu não quero falar sobre isso – murmurei, desconfortável.

- Tem certeza? – lhe encarei – Se você contar, pode se sentir mais aliviada – ele deu de ombros – tenta – encorajou – o que você tem a perder mesmo?

- Não são pesadelos de fato. São flashbacks das mortes que presenciei. Eu escuto os gritos, os tiros e as imagens dos seus corpos sem vida me atormentam. – Eu confessei de uma vez.

- Eu também os tinha – ele logo acrescentou – os pesadelos.

- E como se livrou deles? – perguntei curiosa.

- Não me livrei – ele sorriu sem graça e eu abaixei meu olhar – mas, com um tempo, eles deixaram de ser frequentes. Eu focalizei toda a raiva e confusão que sentia em um propósito, permanecer vivo para proteger a minha irmã. Então hoje em dia quando me deito e olho para a minha irmã, eu fico aliviado por ter alcançado esse propósito diário. – Ele contou – Tem que achar o seu propósito, Ninka. Pense no porquê de você ter vindo junto com os outros e focalize nisso. – Ele aconselhou e eu sorri.

- Obrigada – agradeci a ele e foi a sua vez de sorrir.

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O que vocês acham que a Ninka usará como propósito?

Ninka Baker e Os RecrutasOnde histórias criam vida. Descubra agora