Assim que pisamos no Distrito, levamos um choque com tudo o que vimos. Foram precisos alguns minutos para podermos processarmos tantas informações. A capital parecia um outro mundo.As pessoas andavam silenciosamente e todas com roupas muito bem alinhadas, lavadas e passadas. As ruas eram niveladas e organizadas, sem sinal algum de destruição ou sujeira. Sobre os edifícios: alguns foram construídos e outros foram preservados - diferentemente dos que já havíamos visto do lado de fora -, pois as tintas branca e preta neles brilhavam ao serem tocadas pela fraca luz solar, e os vidros não tinham sequer a marca de uma digital, além de serem ligados por múltiplas passarelas. As luzes de led de tons azulados e avermelhados eram um sinal de energia que também davam um ar futurístico ao local.
Olhei brevemente por cima do ombro e vi a multidão do lado de fora se debatendo enquanto os muros eram fechados novamente.
Como podiam civilizações tão diferentes coexistirem daquela maneira? Era tão injusto a desigualdade gritante entre dentro e fora dos muros.
— Por aqui — o guarda, que estava sendo o mediador entre nós, disse pouco depois de um ônibus preto com vidros escuros parar em nossa frente.
Enquanto entrávamos no veículo, percebi que os guardas que nos escoltavam eram diferentes dos que ficavam do lado de fora. Não só pela roupa branca que trajavam e pelo capacete que cobria os seus rostos, mas também por suas armas que não pareciam precisar de balas.
— Você também percebeu, não foi? — Carter sussurrou discretamente, sentado ao meu lado.
Todos nós estávamos sentados em duplas nas poltronas enfileiradas e confortáveis. Havia dois guardas na frente e um atrás.
— A arma, do que é? — eu sussurrei de volta para ele.
— Choque — tirou a minha dúvida e ajeitou as costas na poltrona, relaxando — Bom, pelo menos, agora sabemos que não querem nos matar.
— Eu vou precisar recolher as armas de vocês — o guarda disse, subindo no ônibus com uma caixa de papelão em mãos.
— Se acha que vamos ficar desarmados em um lugar desconhecido, está muito enganado — eu respondi por todos que me apoiaram com acenos de cabeça.
— Vocês estão presos em um ônibus, cercados de guardas armados. Não acho que tenham muita escolha. E, além do mais, se quiséssemos mesmo matar vocês, faríamos isso do lado de fora dos muros. Não costumamos sujar as ruas do Distrito com sangue. — ele discursou e olhou diretamente para mim — Mas você é quem sabe. Podemos dar meia-volta e vocês voltam para a casa de vocês.
— Não! — eu disse rápida, afinal não tinha chegado tão longe para nada — Vamos cooperar.
— Mas, Ninka! — Karl tentou argumentar.
— Só entreguem as drogas das armas — eu mandei autoritária, sendo a primeira a me desarmar.
Não por completo, já que havia uma faca escondida na parte interna da minha jaqueta. Mas eles não sabiam disso, então começaram a entregar tudo o que tinham.
Olhei para o Aiken acompanhado pela Ayla nas poltronas do outro lado do pequeno corredor, enquanto o homem recolhia as armas dos meninos que estavam no fundo, o loiro levantou os braços discretamente para me mostrar a sua faca também escondida no cós de sua calça. Ele piscou um dos seus olhos e eu sorri, cúmplice, voltando a olhar para frente.
— Boa escolha — o homem elogiou com um leve sorriso de canto — Vejo vocês na Sede — foi tudo o que acrescentou antes de descer do ônibus com as nossas armas.
Os nossos corpos foram lançados levemente para trás quando o motorista do ônibus, que também era um guarda, deu a partida. No meio do caminho até a tal da sede, alguém cutucou o meu braço esquerdo.
— Amon? Está tudo bem? — perguntei preocupada quando vi o garoto negro com o corpo inclinado em minha direção.
O meu tom de voz atraiu a atenção do Carter, que esticou o pescoço para conseguir enxergar o recruta.
— É claro que está! — ele sorriu, exibindo sua dentição perfeita — Eu só quero agradecer a vocês dois, meus capitães, por terem nos trazido até aqui.
— Ah, Amon — eu sorri, emocionada, e troquei um olhar com o Carter que deu de ombros e voltou a se escorar na poltrona — Não precisa nos agradecer, todos vocês também fizeram parte dessa missão. E ela ainda não está no fim. Precisamos trazer as nossas famílias.
— Eu sei — ele balançou a cabeça — Eu só queria que soubessem que sou grato por termos conseguido chegar aqui e também queria que vocês entregassem isso...— ele puxou algo debaixo da gola da camisa, um colar com um pingente de metal —...para os meus pais, caso aconteça algo comigo.
— Ei! — eu me virei no banco, colocando minhas pernas para o corredor — Não vai acontecer nada com você, Amon. Não vai acontecer mais nada com nenhum de nós, estamos seguros agora. Você vai ver os seus pais outra vez, okay? E você vai os entregar esse colar e eles vão ficar orgulhosos por o filho engenheiro ter feito parte de algo tão grande e tão importante!
Amon sorriu, confortado com as minhas palavras.
— Obrigado, capitã. Sua família deve sentir muito orgulho de você.
Sorri com o que disse, não por ter sido chamada de capitã, mas por ter sido lembrada da minha família. Eu só rezava para que eles estivessem bem e que não fossem prejudicados por eu ter fugido do bunker e pelo que eu estava prestes a fazer depois que terminasse de acomodar todos os recrutas por ali.
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O que será que a Ninka vai fazer?
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Ninka Baker e Os Recrutas
Ficção CientíficaQuinhentos anos após uma terceira guerra mundial sangrenta que levou a humanidade perto de sua extinção, o mundo se tornou um lugar totalmente diferente do que conhecemos atualmente. Uma terra onde a tecnologia e os costumes primitivos andam lad...