SIXTEEN | IDIOT

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Me juntei aos outros recrutas no lugar onde se fazia todas as refeições da aldeia. Eles estavam sentados na mesa afastada que nos foi designada de manhã. O local estava sendo iluminado por tochas espalhadas ao redor.

— Nós estávamos na horta, então faz sentido estarmos sujos, mas o que vocês fizeram para ficarem tão melados desse jeito? — Amon perguntou assim que me sentei. Ele era o mais calado de todos nós e, às vezes, eu nem lembrava da sua existência. Ele era reservado e respeitoso, sei disso porque nunca tomou liberdade para fazer nenhuma brincadeira com algum de nós, principalmente com o Carter que ele insiste em chamar de Capitão o tempo inteiro.

— Ficamos na casa da bruxa cega que fez a gente limpar o quintal dela — Karl desdenhou.

— Bruxa? — Charles se curvou sobre a mesa para escutar melhor a nossa conversa.

— Cega? — Margot se juntou a conversa.

Estavam todos ali, menos o Carter.

— Vidente — o corrigi — e ela não tem olhos — eu confirmei, mas logo acrescentei — mas parece enxergar melhor do que todos nós juntos.

— Nossa, que bizarro! — Victoria comentou com uma careta.

— Bota bizarro nisso, ruivinha — Karl assobiou e passou a mão pelo cabelo castanho claro quase loiro — fiquei com medo dela lançar um abracadabra enquanto eu trabalhava — comentou em um falso tom de medo.

— Não seja idiota! A Olga foi, de longe, a pessoa mais gentil que nos recebeu desde que pisamos nesse fim de mundo! — eu a defendi com raiva.

Viu? Já lançou um feitiço na Baker — ele debochou, cruzando os braços, e eu bufei irritada.

— Ele só está tentando chamar atenção — Margot sussurrou para mim, tentando me acalmar.

— Eu sei — deixei os ombros caírem.

As pessoas se levantaram de repente e, então, nós soubemos que a chefe da tribo estava entre nós. Ela passou entre as mesas, fazendo as pessoas se curvarem. Mas o que chamou a nossa atenção foi Carter que a seguia.

— O que o capitão está fazendo com ela? — Amon me perguntou de lado.

— Eu não faço a mínima ideia — o respondi sincera.

Ni aṣalẹ, awọn arakunrin mi. Ṣeun si iya wa ti o fun wa ni ounjẹ yii, a le jẹ ni alaafia. — ela discursou.

O ṣeun, Iya. — disseram todos.

Assim que Wakanda se sentou na ponta de uma extensa mesa, todo mundo voltou aos seus lugares. Ela fez um gesto com a mão e só então Carter pôde se juntar a nós.

— E eu pensando que tinha tido sorte por ter ficado com a velha bruxa — Karl disse sarcástico e Carter o lançou um olhar de desprezo, fazendo o garoto se por de volta em seu lugar.

Aproveitei o momento, em que a mulher se aproximou de nós para nos servir e todos se distraíram, para conversar com o Carter.

— Qual foi sua tarefa? — eu perguntei, o fazendo me encarar.

Ele pareceu pensar se deveria compartilhar aquilo ou não. Sua expressão estava tempestuosos, seus olhos semicerramos e seus lábios formando um pequeno bico de uma careta debochada.

— A chefe — ele pronunciou com nojo — está me fazendo de idiota, mandando eu a seguir por todos os lados, como um cachorro — comparou entredentes. Então me lembrei do que Olga havia dito mais cedo.

— Não, ela não está fazendo você de idiota — ele franziu a testa levemente — está fazendo um jogo com você.

— É claro que é um jogo! Ela quer me humilhar! — disse irritado.

— Não, Carter, ela quer mostrar a você que tem poder. Ela quer mostrar que manda nesse lugar e que tem autoridade sobre todas as pessoas. — eu expliquei.

— Por que você acha isso? — ele disse mais calmo.

— Não acho, tenho certeza. A senhora para quem estou trabalhando me disse. Ou você acha que Wakanda deixaria que você a seguisse o tempo todo por nada, te dando oportunidade de saber mais coisas sobre a aldeia? — eu arqueei uma sobrancelha de maneira debochada.

— É isso, Baker — ele arregalou os olhos — vou usar a oportunidade para arrumar um jeito de escaparmos daqui! — ele quase gritou de tanta felicidade por não fazer papel de idiota em vão.

— Então seja o melhor cachorro que ela já teve — eu peguei o meu copo com água e levantei em cumprimento, ele bateu com o seu no meu e nós sorrimos cúmplices.

(...)

Acordamos no dia seguinte no mesmo horário e da mesma maneira. Ao contrário de ontem, o "banho" era desejado por todos. Afinal, estávamos todos sujos e quando abordamos Wakanda para perguntar sobre o assunto, ela respondeu que tudo para nós funcionava na base de dívidas. Fazíamos dívidas a cada vez que comíamos e usávamos água para tomar banho e beber. A forma de pagamento era o trabalho, e "um dia de serviço só paga um banho e duas refeições", foi o que ela disse.

Então, assim que terminamos a nossa mangueirada e as nossas refeições - desta vez, decentes - fomos levados ao nossos locais de trabalho.

Karl e eu fomos recebidos pela Olga na porta de sua cabana. Ela parecia exatamente a mesma pessoa gentil de ontem, exceto pela cobra que rodeava o seu pescoço.

Puta que o pariu! — Karl xingou ao meu lado quando notou a cobra e a mesma passou para o braço de Olga.

— Você ainda vai morrer por causa dessa sua língua, rapazinho — Olga brincou, ou pelo menos era isso o que eu pensava — Está tudo bem, ela não vai atacar vocês, ao menos que sejam uma ameaça para ela.

— Então ela não tem veneno? — eu estreitei os olhos em direção da serpente para identifica-la, mas eu não a reconheci. Ela era preta e sua pele era brilhosa, vibrante.

— É claro que tem — Olga riu.

— E você espera que trabalhemos como esse bicho podendo nos morder e, até, nos matar? — Karl perguntou incrédulo.

— E vocês têm escolha? — retrucou.

— Vai dizer que você tem medo de cobra — eu provoquei, cruzando os braços.

— É claro que não, estou preocupado com você — mentiu descaradamente.

Karl não admitiria seu medo por algo, nem se estivesse morto.

Aham — eu ironizei e revirei os olhos — ou você trabalha ou o grupo inteiro vai ficar sem comida e água. Já pensou em deixar o Carter furioso? — eu lhe testei.

— Tudo bem, tudo bem! — ele desistiu — mas será que a senhora tão gentil poderia deixar essa coisa longe de mim? — ele tentou uma última vez.

— Vocês tem um quintal para plantar-ar — Olga cantarolou.

— Karl, entra logo! — eu mandei sem paciência e ele bufou, por fim me obedecendo.

Quase explodi em gargalhadas quando o vi se espremer no canto da porta para não encostar em Olga e, consequentemente, na cobra. Mas, como se sentisse seu medo, a cobra atacou em sua direção, o fazendo impulsionar seu corpo para dentro da casa, o que resultou em uma queda no meio da sala da cabana.

— Eu estou bem! — ele garantiu com o rosto contra o chão de madeira.

— Eu acredito em você — debochei, finalmente entrando na casa e indo fazer o meu trabalho.

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+ dicionário +

"Ni aṣalẹ, awọn arakunrin mi. Ṣeun si iya wa ti o fun wa ni ounjẹ yii, a le jẹ ni alaafia. = Boa noite, meus irmãos. Graças a nossa mãe que nos proveu este banquete, poderemos jantar em paz.

O ṣeun, Iya. = obrigada, mãe."

Vocês preferem o dicionário nas notas ou logo depois das falas?

Ninka Baker e Os RecrutasOnde histórias criam vida. Descubra agora