Leo
O médico disse que eu precisava de repouso absoluto, pois sofri uma fratura muito grave na cabeça, comprometendo parte da minha memória.
Meu cérebro estava dois anos atrasado. Minha última lembrança ocorreu dois anos atrás e isso era um tanto assustador.
Minha cabeça ainda doía por causa dos pontos e eu passava boa parte do dia dormindo, me encontrando com o garoto misterioso em meus sonhos.
A única coisa que saiu intacta do acidente foi uma echarpe branca que estava no meu pescoço no dia.
Peguei-a sem ter ideia de onde a arranjei e fui tomado pelo cheiro maravilhoso que vinha dela.
Não estava ensanguentada como o resto das minhas roupas, estava branca e cheirosa como se fosse nova e coloquei-a perto do meu rosto, onde pude ficar sentindo aquele aroma que relaxava cada célula do meu corpo como um calmante eficiente.
Meu corpo inteiro ainda doía, eu tinha dificuldades em me mover na cama. Eu não sabia por que não estava de cinto naquela noite e nem por que acabamos batendo num caminhão que detonou o nosso carro.
A enfermeira entrou no quarto, colocando mais uma dose daqueles remédios que me faziam dormir.
Nem tive tempo de protestar, logo fui tomado pela sonolência que forçou minhas pálpebras a se fecharem.
E eu cedi, adormecendo.
Ícaro
Uma semana sem Leo.
Duas semanas sem Leo.
Três semanas sem Leo.
Quatro semanas sem Leo.
Na primeira semana, tentei me convencer de que ele ia ligar e me dar uma boa explicação. Dormia e acordava ao lado do celular e surtava cada vez que ele tocava e queria tacá-lo na parede quando o nome do Leo não aparecia na tela.
Após aquela semana, não aguentei, e chorei tudo o que um ser humano que não costumava tomar uma água era capaz de chorar.
Na segunda semana, não foi diferente, mas foi quando tive que tentar me reconstruir por inteiro, embora ainda tenha sido recente. Eu não tinha planos de perder a minha vida inteira por causa de um cara, eu tinha amor próprio o bastante para não acabar sendo levado a isso.
Na terceira semana, resolvi juntar todos os pequenos pedaços do meu coração —embora não fosse mais usá-lo — e erguer um muro mais forte ao redor dele, inquebrável.
Na quarta semana, me senti bem o bastante para sair na rua e socializar. Ainda era recente, ainda doía e por causa dessa dor detestável, acabei me tornando uma pessoa pior do que eu já era.
Na quinta semana, acabei tendo receio de machucar as pessoas com o meu jeito detestável de ser e me odiei por isso. Acabei desabando mais do que na primeira semana.
O muro até então inquebrável, se mostrava cada vez mais frágil.
Eu não queria sentir mais nada...
Nem dor, nem alegria, nem tristeza...
Não queria nem ao menos rir, porque até rir doía. Eu só queria desligar meus sentimentos, desligar essa dor tão familiar e ao mesmo tempo duplicadamente pior.
Eu queria viver, embora parte da minha vida tenha me deixado.
***
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Não ouse me esquecer ✅
RomancePLÁGIO É CRIME! É proibida a distribuição e reprodução total ou parcial desta obra sem autorização prévia do autor. Leonardo Borges sempre soube que era diferente. Talvez por isso ele tenha se apaixonado por Ícaro, o ser grossei...