Leo
Quando Ícaro finalmente acordou ainda no hospital com vários aparelhos ligados a ele, foi que consegui relaxar. Nossos olhos se encontraram assim como previ e uma onda de culpa me invadiu.
Ele estava ali por minha causa...
— Leo? — ele sorriu e segurou a minha mão, que estava pousada na cama. — Você está bem?
— Sim.
Ele tentou se mover e logo apertou a minha mão ainda mais, deixando-a vermelha. Seus olhos pediam socorro e eu não sabia o que fazer.
— O que foi, meu amor? Está sentindo alguma dor?
— Leo! — berrou e começou a se contorcer. — Não sinto as minhas pernas.
— Calma, vou chamar o médico, deve ser temporário — meneei a cabeça. — Ou por causa do machucado, sei lá.
Mas Ícaro não estava ouvindo, puxou a coberta de forma violenta e ficou olhando fixamente para seus pés que não se moviam.
— Eu vou ficar aleijado? — choramingou e começou a puxar as pernas, forçando-a se mover.
Pressionei-o de volta na cama e procurei acalmá-lo conforme eu tentava lidar com a minha culpa que ficava cada mais pesada em meus ombros.
— Doutor! — gritei, com os dentes cerrados. — Venha até aqui por favor.
Ícaro já estava chorando quando o médico retornou, estava batendo na cama enquanto gritava todos os palavrões conhecidos pela humanidade.
— Ele não consegue mexer as pernas — informei, já que Ícaro era incapaz de falar algo, pois estava surtando.
O médico segurou uma prancheta e analisou bem antes de falar.
— De fato a sua fratura na coluna foi muito mais profunda do que o esperado — disse, por trás dos óculos fundos de garrafa. — Por conta disso, o movimento das suas pernas foi comprometido. Podemos fazer sessões de fisioterapia para evitar a atrofiação, mas... — Ele foi interrompido pelos gritos exagerados de Icky.
— Que porra de médico você é? — vociferou, incapaz de aceitar o que ele dizia. — Eu quero andar, não posso ficar aleijado!
— Sinto muito senhor.
— Você vai sentir quando eu enfiar essa prancheta na sua bunda! — berrou ainda mais alto enquanto o médico olhava de mim para Ícaro com a expressão de pena estampada no rosto e se retirou, sem dizer mais nada.
— Icky, meu amor — pousei minha mão em seu ombro, mas ele a tirou com um movimento brusco.
— Não — sacudiu a cabeça. — Eu quero andar, Leo. Por favor, me ajude a andar — olhou para mim piscando com a expressão inconsolável de partir o coração.
Eu não conseguiria descrever a dor que senti quando olhei fundo em seus olhos. Não conseguia aceitar que tudo isso era por culpa minha, se eu não tivesse tropeçado naquela pedra, não teria caído e teria poupado o meu Icky daquele destino terrível.
Não conseguia olhar para ele sem querer voltar ao penhasco para completar o serviço.
Fui covarde e a consequência disso era um Ícaro desesperado e em lágrimas, pedindo para fazer por ele a única coisa que eu não podia. Se nem o médico conseguiu fazê-lo voltar a andar como eu poderia concretizar tal milagre?
— Ah, meu amor... — sussurrei, alisando a sua mão com o polegar.
— Pode me deixar sozinho? — pediu, puxando a sua mão de volta, que estava embaixo da minha. — Quero ficar sozinho — Ele cruzou os braços fitando o vazio, com o olhar ainda inexpressivo, mas ainda assim, era torturante de se olhar.
Assenti e me retirei, com passos pesados, praticamente me arrastando para fora do quarto.
Será que um dia ele iria me perdoar?
***
— Não quero comer! — ouvi por trás da porta assim que Lipe entrou com um prato nas mãos.
Ícaro ficava o dia inteiro trancafiado no quarto olhando pela janela, sentado na sua nova cadeira de rodas motorizada. Não contei a ele que eu continuava ali e pedi a Lipe que não comentasse nada.
— Mas você precisa comer, cousin cozy — insistiu Lipe, que fazia a mesma coisa todos os dias, já que eu era incapaz de fazer.
Estava com medo de entrar no quarto e Ícaro me expulsar ou pior, dizer que não me amava mais e que não queria ficar comigo, o que era totalmente compreensivel, mas não deixava de ser doloroso.
— Já falei que não quero porra nenhuma — rosnou ele — Vaza daqui, Felipe e leve esse maldito prato!
Alguns segundos depois, Lipe apareceu cabisbaixo e com o prato intocado nas mãos.
— Precisa falar com ele — Lipe me fitou, com o olhar firme. — Ele vai acabar morrendo de fome.
— Não posso — balancei a cabeça. — Ele me odeia, está ali por minha culpa.
— Então você vai ficar aí parado esperando o meu primo morrer? — fitou-me com nojo. — Bem típico de você — e voltou a andar, com o nariz empinado e com o ódio estampado no rosto.
— Lipe — tentei, mas ele já tinha ido.
Sentei-me de novo no sofá, pensando no que eu ia fazer. Tinha falado com Daiane, que já declarou seu ódio eterno por mim. Passei as noites dormindo no sofá de Icky, já que não tinha coragem para entrar no quarto.
Unindo as forças que eu nem sabia que tinha, me levantei de súbito e fui em direção ao quarto cuja porta estava entreaberta.
Ícaro continuava lá, com a expressão triste, a testa franzida enquanto encarava as ruas e abaixava a cabeça para limpar as novas lágrimas.
Ele estava bem mais magro do que antes devido a sua falta de alimentação. Já faziam quase dois dias que ele se recusava a comer, mesmo depois das insistências constantes de Lipe.
Prendi a respiração antes de entrar no quarto e Ícaro nem sequer se moveu. Parecia perdido e imerso em seus próprios pensamentos, afundado na sua mais recente tristeza.
E foi pensando em uma forma de contornar isso que me atrevi a dar o próximo passo, hesitante, mas ainda assim, decidido.
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Não ouse me esquecer ✅
RomancePLÁGIO É CRIME! É proibida a distribuição e reprodução total ou parcial desta obra sem autorização prévia do autor. Leonardo Borges sempre soube que era diferente. Talvez por isso ele tenha se apaixonado por Ícaro, o ser grossei...