II - Me condenei mentalmente

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Ícaro

  Ouvi a porta ranger. Provavelmente era mais uma tentativa de Lipe para tentar me fazer comer, sendo que eu não estava com disposição nenhuma para isso.

— Já falei para você vazar, Lipe — rosnei, ainda encarando aquela maldita janela vendo todo mundo viver as suas vidas e eu aqui preso nessa merda sem conseguir fazer nada de útil.

— Sou eu, Icky — ouvi a voz estrangulada de Leo murmurar, sua voz era quase um gemido.

— Achei que tivesse ido embora — murmurei, não vi mais o Leo desde o dia em que o mandei ir embora no hospital. Pensei que tivesse ido embora e seguido em frente, era o que qualquer pessoa racional faria.

— Estou passando as noites aqui — confessou, fechando a porta ao entrar. — Durmo no sofá.

— Por que não voltou para casa?

— Não tenho mais uma — Virei a maldita cadeira para encará-lo. — A que o meu pai me deu está com a Daiane e eu me recuso a ir para o apartamento do meu pai. Não quero voltar para nenhuma das casas e... — ele se interrompeu, engolindo em seco. — Eu não queria te deixar sozinho.

— Me viro muito bem sozinho, não preciso de babá — cuspi, começando a ficar irritado.

— Não foi isso que eu quis dizer — ele balançou a cabeça. — Sei que a culpa foi minha e não tive coragem de olhar para você depois do que aconteceu.

— Eu não estou nessa maldita cadeira por culpa sua — me senti muito mal por ele sequer pensar dessa forma. — Estou aqui por causa de uma escolha que fiz, Leo. Não se culpe pelas escolhas dos outros.

— Se eu não tivesse naquele penhasco você não teria se machucado.

— Mas escolhi pular, você não me forçou a isso.

— Sinto muito, Ícaro — choramingou, ignorando totalmente as coisas que eu disse. — Será que você pode me perdoar?

Então era por isso que estava ali, se sentia culpado e queria que eu o perdoasse antes de seguir a sua vida, bem típico do Leo com aquele coração imenso que não suportaria desapontar alguém.

— Leo, eu pulei porque não queria que você se machucasse — revelei, fitando seus olhos coloridos enormes, ele usava uma meia de cada cor e esse fato só me fez dar um leve sorriso, mesmo que fosse temporário. — Se eu não estivesse lá teria sido muito pior, você poderia estar aqui no meu lugar.

— Onde eu merecia estar, não você.

— Não vamos discutir isso — suspirei, farto daquela discussão. — Eu estou aqui, você não, aceite esse fato. Quer o meu perdão por algo que não teve culpa? Tudo bem, eu perdoo, agora pode ir embora e viver a sua vida sem culpa.

Leo não se moveu, continuou me encarando com aqueles olhos imensos ainda carregados de culpa e tristeza.

— Do que está falando?

— Volta para a casa, Leo — pedi — Para Daiane — confesso que pensei muito nisso antes de chegar a essa conclusão. Era o melhor para ele, não queria ser um fardo em sua vida.

— Mas e a gente?

— Não existe mais a gente — concluí, sentindo meu corpo inteiro tremer com a afirmação. — Não pode mais existir.

— Você não me ama mais, não é? É por isso que está pedindo que eu vá embora, eu te machuquei de novo... — e começou a chorar, com o rosto entre as mãos grandes e um tanto gorduchas.

Dá onde ele tirou isso?

— Não, não é isso — remendei — Sente-se, Leo — ordenei e ele me obedeceu na mesma hora.

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