Arrependimento

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POV WILL

EM MEU SONHO, estava muito escuro, e a luz fraca que havia parecia irradiar da pele de Nico. Eu não conseguia ver seu rosto, só suas costas enquanto ele se afastava de mim, deixando-me na escuridão. Por mais rápido que eu corresse, não conseguia alcançá-lo; por mais alto que gritasse, ele não se virava. Fui ficando mais e mais desesperado para chegar até ele, até que a ansiedade me acordou. Era o meio da noite, mas não consegui dormir de novo pelo que pareceu um longo tempo. Depois disso, ele entrou em meus sonhos quase todas as noites, mas sempre fora da cena, nunca ao meu alcance. O mês seguinte ao acidente foi inquietante, tenso e, no início, constrangedor. Virei o centro das atenções pelo resto da semana, o que achei um saco. Calipso ficou superchata, seguindo-me por toda parte, inventando jeitos hipotéticos de se redimir. Tentei convencê-la de que o que eu mais queria dela era que esquecesse tudo aquilo — em especial porque não tinha acontecido nada comigo —, mas ela não desistia. Me seguindo entre as aulas e se sentava à nossa mesa, agora abarrotada. Silena e Lou Ellen não pareciam estar gostando; olharam mais torto para ela do que olhavam uma para a outra, o que me deixou preocupado com a possibilidade de ter ganhado outra fã indesejada. Como se gostar do garoto novo fosse a nova moda. Ninguém estava preocupado com Nico; ninguém o seguia e nem pedia o relato dele de testemunha ocular. Eu sempre o incluía na minha versão; ele era o herói, ele havia me tirado do caminho e quase fora atropelado também. Mas o que todo mundo dizia era que não tinham percebido que ele estava ali até a van ser afastada. Eu refleti muito sobre o motivo de ninguém mais tê-lo visto parado tão longe, encostado no carro, antes de salvar a minha vida de forma tão repentina e impossível. Eu só conseguia pensar em uma solução, e não gostei nada dela. Tinha que ser porque mais ninguém prestava tanta atenção em Nico. Ninguém o observava da forma como eu fazia. Era patético e meio apavorante. As pessoas continuaram evitando Nico do mesmo jeito de sempre. Os Cullens sentavam-se à mesma mesa de sempre, sem comer, conversando entre si. Nenhum deles voltou a olhar na minha direção. Quando Nico se sentou ao meu lado na aula, o mais distante possível, como sempre, pareceu totalmente inconsciente da minha presença. Como se minha cadeira estivesse vazia. Só vez ou outra, quando seus punhos de repente se fechavam — a pele esticada ainda mais branca sobre os ossos — é que eu me perguntava se ele estava tão distraído como parecia. Eu queria muito continuar nossa conversa do corredor do hospital, e, no dia seguinte ao acidente, tentei. Ele estava furioso quando conversamos da primeira vez. E, apesar de eu querer muito saber o que aconteceu e de achar que eu merecia a verdade, eu também sabia que fui bem insistente, considerando que ele tinha acabado de salvar minha vida e tudo o mais. Eu achava que não tinha agradecido direito. Ele já estava na cadeira quando cheguei à aula de biologia. Nem se virou quando me sentei, continuou olhando para a frente. Não deu sinais de ter percebido minha presença.

— Oi, Nico — falei.

Ele virou a cabeça um centímetro na minha direção, mas os olhos continuaram grudados no quadro. Balançou a cabeça uma vez e depois desviou o rosto. E esse foi o último contato que tive com ele, apesar de ele estar ali, a trinta centímetros de distância, todos os dias. Eu o olhava às vezes, incapaz de me conter — mas sempre de longe, no refeitório ou no estacionamento. Eu vi os olhos dourados ficarem perceptivelmente mais escuros dia após dia (e depois dourados de novo, de repente. Aí, a progressão lenta começava de novo). Mas, na aula, eu não conseguia ter mais acesso a ele do que ele permitia. Foi horrível. E os sonhos continuaram. Ele desejava não ter me tirado do caminho da van de Calipso. Eu não conseguia pensar em nenhuma outra explicação. Como ele me preferia morto, estava fingindo que eu estava morto. Apesar das minhas mentiras cabais, o tom de meus e-mails deixou minha mãe preocupada. Ela ligou algumas vezes, querendo saber se eu estava bem. Tentei convencê-la de que era só a chuva que me deixava desanimado. Silena, pelo menos, ficou satisfeita com a frieza evidente entre mim e meu parceiro de laboratório. Eu achava que ela estava com medo de o trauma compartilhado nos ter aproximado e eu me juntar aos Cullen, talvez. Ela foi ficando mais confiante, sentando-se na beirada da minha mesa para conversar antes que começasse a aula de biologia, ignorando Nico completamente, como ele nos ignorava. A neve desapareceu de vez depois daquele dia perigosamente gelado. Silena reclamou por não ter podido armar a grande guerra de bolas de neve, mas ficou satisfeita porque logo seria possível fazer a viagem à praia. Porém, a chuva continuava pesada, e as semanas se passaram. Eu não percebi que tanto tempo tinha se passado. A maioria dos dias era igual, cinza, verde e mais cinza. Meu padrasto sempre reclamava que Phoenix não tinha estações, mas, pelo que eu conseguia perceber, Forks era bem pior. Eu não fazia ideia de que a primavera estivesse perto de aparecer até estar indo para o refeitório com Charles  em uma manhã chuvosa.

More than I imagined -Solangelo -twilightOnde histórias criam vida. Descubra agora