Fenômeno

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POV WILL

QUANDO ABRI OS olhos de manhã, havia algo diferente. Era a luz. Ainda era a luz sombria de um dia nublado na floresta, mas de certa forma estava mais claro. Percebi que não havia neblina obscurecendo a minha janela. Pulei da cama para olhar para fora e gemi. Uma fina camada de neve cobria o jardim, acumulava-se no alto de minha picape e deixava a rua branca. Mas essa não era a pior parte. Toda a chuva da véspera havia se solidificado — cobrindo as agulhas das árvores de formas malucas e fazendo da entrada de carros uma pista de gelo liso e mortal. Para mim, já era difícil não cair quando o chão estava seco; devia ser mais seguro voltar para a cama imediatamente. Apolo saíra para o trabalho antes que eu descesse ao primeiro andar. De muitas maneiras, morar com ele era como ter minha própria casa, e percebi que estava gostando do espaço em vez de me sentir solitário. Engoli rápido uma tigela de cereal e um pouco de suco de laranja direto da caixa. Eu estava empolgado para ir para a escola, e isso me preocupava. Eu sabia que não era pelo ambiente estimulante de aprendizado, nem por meu novobgrupo de amigos. Para ser sincero comigo mesmo, eu sabia que estava ansioso para ir para a escola porque veria Nico di Ângelo. E isso era uma grande estupidez. Eu estava ciente de que meu mundo e o dele eram esferas que não se tocavam. Eu já estava com medo de que olhar para o rosto dele estivesse me dando expectativas que me perseguiriam pelo resto da vida. Passar mais tempo olhando para ele, observando os lábios se moverem, admirando a pele dele, ouvindo a voz, não ajudaria em nada. Eu não confiava nele… por que mentir sobre a cor dos olhos? E, claro, havia a história de ele ter desejado me ver morto em algum momento. Então, eu não devia ficar empolgado em vê-lo de novo. Precisei de toda a minha concentração para descer vivo a entrada de carros de tijolos congelados. Quase perdi o equilíbrio quando finalmente cheguei à picape, mas consegui segurar no retrovisor e me salvar. Os deslocamentos na escola seriam complicados hoje… com grande potencial para humilhação. Minha picape não parecia ter problemas com o gelo escuro que cobria as ruas. Mas dirigi bem devagar, sem querer traçar uma rota de destruição pela rua principal. Quando saí do carro na escola, vi por que tive tão poucos problemas. Uma coisa prateada atraiu meus olhos, e andei até a traseira da picape — apoiando-me com cuidado na lateral — para examinar os pneus. Havia neles correntes finas formando losangos. Apolo se levantara cedo, sabe-se lá a que horas, para colocar correntes de neve no meu carro. Franzi a testa, surpreso de ficar com a garganta apertada de repente. Não era para ser assim. Devia ter sido eu a pensar em botar correntes nos pneus dele, se eu soubesse fazer isso. Ou, pelo menos, eu devia tê-lo ajudado. Não era trabalho dele… Só que, na verdade, era sim. Ele era o pai. Estava cuidando de mim, do filho dele. Era assim que funcionava nos livros e nos programas de TV, mas me fez sentir meio errado de alguma forma. Eu estava parado junto ao canto traseiro da picape, lutando para reprimir a onda de emoção repentina que as correntes de neve me provocaram, quando ouvi um som estranho. Foi um guincho agudo, e, quase na mesma hora que percebi, o som já estava dolorosamente alto. Olhei para cima, sobressaltado. Vi várias coisas ao mesmo tempo. Nada estava se movendo em câmera lenta, como acontece nos filmes. Em vez disso, o jato de adrenalina parecia fazer com que meu cérebro trabalhasse muito mais rápido, e pude absorver simultaneamente várias coisas em detalhes nítidos. Nico di Ângelo estava parado a quatro carros de mim, com a boca aberta horrorizado. O rosto dele se destacava em um mar de rostos, todos paralisados na mesma máscara de choque. Mais adiante, uma van azul-escura estava derrapando, com os pneus travados e guinchado com os freios, rodando como louca pelo gelo do estacionamento. Ia bater na traseira da minha picape, e eu estava parado entre os dois carros. Não tive tempo nem de fechar os olhos. Pouco antes de ouvir o esmagar da van sendo amassada na caçamba da picape, alguma coisa me atingiu com força, mas não da direção que eu esperava. Minha cabeça bateu no asfalto gelado, e senti uma coisa sólida e fria me prendendo no chão. Percebi que estava deitado atrás do carro caramelo estacionado ao lado do meu. Mas não pude perceber mais nada, porque a van ainda vinha. Raspara com um rangido na traseira da picape e, ainda girando e derrapando, estava prestes a bater em mim de novo.

More than I imagined -Solangelo -twilightOnde histórias criam vida. Descubra agora