27 de Dezembro

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Pânico. Ela corre para longe dele, a visão tremulando, a pernas perdendo a força. Mas nada do que faz parece funcionar, ele a alcança mesmo assim. Olhos azuis escuros como o oceano, mandíbulas cerradas. Um aperto forte e ele a tem nas mãos, incapaz de lutar por sua vida.

Ela chora, grita, e quanto mais se desespera mais ele parece gostar, o pânico o alimenta. Sua expressão distorcida revela-se ainda mais ameaçadora, um rosto composto por três buracos negros, como uma caveira, e sua risada maléfica é a última coisa que ela ouve antes de despertar.

– Lauren? Lauren?

– Eu estou aqui, amor. Foi só um sonho ruim, Ok? Já passou. Já passou, Camz. Eu estou aqui...

– Foi tão ruim, Laur... Ele estava me machucando, abusando de mim.

– Vem cá, você vai ficar bem, eu estou aqui. Ah, não chore, meu amor. Já passou, foi só um sonho.

Camila mal pode esperar para retomar sua terapia com Ricky, pois o médico tem ajudado-lhe a entender o motivo de seus ataques de pânico e ela se sente muito melhor na presença dele. Lauren, preocupada e dedicada, já perguntou-lhe diversas vezes quando tudo isso começou, mas Camila nunca soube responder. A verdade é que mesmo com a terapia ela ainda não se lembra de nada.

Em sua última sessão, antes de sair de férias, Ricky recomendou um tratamento por hipnose e Camila concordou em experimentar, apenas não disse nada para Lauren. Sua namorada já tinha muito com que lidar. Mas aqui, abraçada com ela na cama, Camila sabe que Lauren é seu porto seguro, e quando para pra pensar percebe que tudo aconteceu rápido demais, porém, com uma naturalidade impressionante. Lauren está começando a admitir que coisas assim acontecem porque foram escritas, destino é o que Camila chama.

Acreditar que foram destinadas uma à outra deixa Camila mais calma e esperançosa, e assim, sente que no final tudo vai dar certo. Nos braços de Lauren ela se aconchega, sentindo o peito dela subir e descer calmamente. Não sabe que horas são, mas pela vista magnífica a sua frente presume que falta pouco para amanhecer.

Escrever também ajuda, quando sua namorada não está em casa e às vezes antes de dormir Camila escreve. Coloca seus sentimentos no papel, um pequeno diário de couro preto, com uma canetinha robusta presa na capa. Tem algumas anotações nele além de desabafos, são poemas rabiscados com pressa, introduções de futuras canções, conselhos para si mesma.

Acha que isso faria bem para Lauren também quando percebe que ela anda ansiosa e frustrada com a vida. Esses dias, por exemplo, têm sido assim. Camila chega em casa e encontra a namorada roendo as unhas, ou a cena mais comum: encontra-a encarando a mesma página de um livro por cerca de duas horas seguidas.

Camila até recomendou que ela tentasse escrever algo, mas a fotógrafa insiste em dizer que suas frustrações são por coisas que não pode explicar. "Você não entenderia", ela diz.

Quando Camila pega no sono outra vez, Lauren se levanta. O celular na mão, a preocupação impelindo-a a ligar mesmo que seja muito cedo. Sente que tem sido displicente com os problemas de Camila, não tem dado a devida atenção à isso e outra vez teme o que pode descobrir, como se, de alguma forma, as coisas que fez tenham afetado-a. Por isso liga, torcendo com todas as forças que Martin atenda.

Que péssima hora você escolheu para viajar, pensa, atenda, atenda.

– Dr. Martin.

– Doutor! Finalmente! Aqui é a Lauren. Desculpe-me por estar ligando tão cedo, estou tentando falar com o senhor tem alguns dias.

– Tudo bem, Lauren. Pode falar, o que houve? – A voz dele soa mais desperta agora.

– Camila. Ela tem tido esses pesadelos, agora a pouco teve outro e eu estou profundamente preocupada, preciso muito entender o porquê disso.

– Veja, Lauren. Em breve vamos retomar a terapia e tentar outros métodos para descobrir a causa do problema. O fato dela não se lembrar da origem indica que possivelmente tenha Amnésia Dissociativa, um tipo comum em pessoas que sofreram algum trauma. Esses pesadelos podem ser apenas pesadelos ou podem ser lembranças, o paciente geralmente não sabe distinguir o que é real ou não. Ainda estou averiguando cada possibilidade, mas prometo que chegaremos a uma causa muito em breve. Veja, eu sei que é difícil não se preocupar, mas esteja firme, seja forte.

Lauren agradece e se desculpa outra vez. Ela precisa ser forte e, principalmente, ter paciência.

Ser forte para Camila, ser forte por Camila...

Repetindo isso ela volta para a cama, deita ao lado da garota e a observa dormir. Tão bela e serena. Na luz do luar brilha a pulseira que Lauren deu à ela no natal e enquanto brinca com o pingente, ela pensa: Tudo vai se resolver. O doutor disse que em breve chegará a uma causa e enquanto isso não há nada que eu possa fazer.
De qualquer forma, um novo dia está nascendo para ambas. Um dia novinho em folha.

Um dia novinho em folha...

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