Capítulo II

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  Se meus problemas fossem só na escola eu seria grata, mas em casa era tão pior o quanto. Eu, Caíque e Camille, éramos irmãos por parte de pai. Há dezessete anos, meu pai, Sebatian, e Liz, sua esposa, tiveram uma crise em seu namoro, ficaram separados por alguns meses e nesse intervalo meu pai teve um caso com minha mãe, nada demais, então Liz descobriu que estava grávida de Caíque, Liz contou ao meu pai e eles se resolveram, reataram e se casaram, parecia que tudo seria um mar de rosas, mas após três meses do nascimento de Caíque, meu pai, Sebastian, abriu a porta de sua casa e encontrou um bebê enrolado em uma manta cor de rosa, enfiada em uma cestinha, com uma certidão de nascimento e uma carta. Eu, Katherina Thomson, ou como gosto de ser chamada Kate, fui abandonada por minha mãe em frente a casa do meu pai após uma semana de nascida.
  Meu pai explicou a situação a Liz, e apesar de todos seus defeitos Sebastian decidiu assumir a responsabilidade e ficar comigo, Liz não gostou nem um pouco, mas aceitou. Ela me detesta, me odeia e eu sou a única pessoa que não tem culpa alguma nisso tudo. Ela sempre me tratou com diferença, sempre deixou claro o que sentia por mim e minha posição na família, a bastarda. Acredito que Sebastian me ame, não igualmente aos seus outros filhos, mas que também me ame. Sempre tentou fazer o possível para me tratar semelhante ao Caíque.
  E por falar em Caíque, ele era o único que eu realmente sentia que me amava por completo, ele me impediu de fugir de casa quando tínhamos doze anos, enxugou minhas lágrimas, dormia comigo quando eu tinha pesadelos. Ele era o melhor irmão do mundo. Quando Camille nasceu, senti que a família estava completa, eu odiava a sensação de ser uma intrusa, eu não tinha mágoa da minha mãe, por me deixar ali, por eu nem sequer saber quem ela era. Mas era impossível não sentir um vazio dentro de mim, uma tristeza que sempre esteve comigo. No fundo eu sabia que ela teve seus motivos para me abandonar. Ainda assim doía muito.
  Nos mudamos no início do ano para uma casa maior, em outra cidade e logo teve uma discussão entre Liz e Sebastian, ela queria que Camille, minha meia-irmã de quinze anos, tivesse um quarto só para ela. A casa tinha três quartos, um era deles, um de Caíque e um como Sebastian insistia na discussão para mim e Camille - quero ressaltar que Camille me detesta tanto quanto a mãe dela - enfim, passaram uma semana brigando até que eu já não suportando mais aquilo tudo falei um dia no café da manhã quando todos estavam na mesa:
  - Eu gostei muito do porão, acho que seria interessante dormir lá.
  Todos olharam para mim.
  - Você não vai dormir no porão! - disse Sebastian.
  - Não tem precisão disso - disse Caíque - o quarto é seu e de Camille.
  Camille fuzilou Caíque com os olhos e disse:
  - Se ela quer dormir lá deixem ela ir.
  Agora Sebastian a fuzilou com os olhos.
  - Eu concordo com a Camille, Katherina já é bem grandinha para...
  - Ela não vai dormir no porão! - disse meu pai em um tom decidido.
  - Sebastian... - comecei, mas ao receber um olhar repreendedor dele reformulei a frase - Pai, podemos conversar em particular?
  - Claro.
  Fomos até o escritório dele.
  - Sei que vai querer me convencer a deixar que você fique lá em baixo. - disse ele ao fechar a porta.
  - É, eu vou.
  - Não posso deixar que fique lá, é frio e isolado. E o quarto que separei para você e Camille é enorme, dá para as duas.
  - Pai, eu não me importo, é mais silencioso lá, fica melhor para mim estudar e Camille... Ela vai querer trazer amigas para dormir e fazer festas de pijama, não me sinto confortável e tenho certeza que ela também não. Quero fazer do porão meu quarto.
  Ele suspirou.
  - Kate...
  - Por favor.
  - Tudo bem. Mas se adoecer por está ali vai voltar para o quarto com Camille.
  Eu sorri.
  - Obrigada.
  Caíque não gostou tanto quanto meu pai da ideia, até ofereceu seu quarto para dividir comigo. Mas eu disse que não queria, não era justo. E eu realmente comecei a gostar da ideia do quarto/porão, isolado, sem Camille me xingando, sem Liz me fazendo sentir-me uma intrusa na família.
  Nesse mesmo dia levei minha coisas lá para baixo, Sebastian e Caíque levaram minha cama e a cômoda lá para baixo. Eu não tinha muitas coisas, então não demorou muito minha mudança. Liz ficou satisfeita, Camille literalmente pulou de alegria e tudo voltou ao normal.
  Quando terminei de desempacotar minhas coisas, meu pai desceu para ver como ficou.
  - Aqui é frio demais. - disse ele.
  - Eu não me importo.
  - Eu me importo.
  - Eu estou bem. Sinto que aqui é meu lugar. - me arrependi no mesmo instante de dizer isso, era para soar engraçado, mas Sebastian não achou nenhuma graça.
  - Eu não te entendo. O que você quer? Eu não a trato bem? Qual o problema?
  - Não, não, nada disso! - me apressei em dizer - Me desculpe Sebas...Pai, não tô reclamando. Você e sua família me tratam muito bem.
  - Nossa família. Você faz parte da família Kate, é minha filha tanto quanto Caíque e Camille.
  - É que...
  - É que o quê?
  Respirei fundo.
  - Eu acho que você e a Liz viveriam melhor se eu...não vivesse aqui. Às vezes eu acho que você deveria ter me mandado para algum lar...
  O olhar que Sebastian me lançou me fez parar de falar.
  - Escute bem - disse ele com um tom severo que ele raramente usava comigo - Nunca mais repita isso. Nunca, em nenhum dia sequer da minha vida me arrependi da minha escolha, nunca vou me arrepender. Você é minha responsabilidade.
  Aí estava a palavra que eu estava esperando: responsabilidade. Sebastian só ficou comigo por se sentir responsável, mas nada. E eu era uma responsabilidade grande e que causava problemas entre ele e a esposa.
  Fiz o possível para não chorar na frente dele.
  - Eu preciso terminar de ajeitar meu quarto. - falei. Queria ficar sozinha.
  - Tudo bem. Vou deixá-la.
  Ele me deu um beijo na testa e subiu.
  Desde esse dia não voltei a me abrir com meu pai.
  Ele não entendia.
  Jamais iria me entender.
  
 
 
 

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