Capítulo III

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  Cheguei em casa por volta das uma da tarde. Sebastian não estava, ele só chegava depois das sete da noite do trabalho. Eu tinha parado de usar a porta da frente desde que me mudei para o porão, a porta que levava até lá ficava no corredor da cozinha, então para não me esbarrar com minha madrasta eu preferia entrar pela porta de trás e já entrava na cozinha.
  Ao entrar ouvi a voz de Liz e de Camille vindo da sala. Me senti grata por ter entrado por trás. Fui para meu quarto, joguei minha mochila na cama, pousei meus óculos em cima da cômoda, tirei o all star e calcei chinelos. Tomei banho, vesti uma camisa e uma saia, tirei o livro de biologia da mochila e deixei o de álgebra e o caderno. Subi até a cozinha pronta para sair novamente e dei de cara com Caíque.
  - Olá estranha.
  - Olá estranho.
  Era assim que a gente se cumprimentava após se encontrar da escola.
  Nós rimos.
  - Vai sair? - ele perguntou.
  - Sim.
  - E não vai me dizer para onde?
  - Não.
  - Agora temos segredos?
  - Claro que não. Chegarei depois do jantar.
  - Como sempre.
  Ele parecia um tanto inquieto.
  - Quer me contar algo? - perguntei.
  - Quero. Mas eu posso esperar você chegar.
  - Ok. Tchau estranho.
  - Tchau estranha.

○○○

  Cheguei na casa de Diego as três em ponto. Toquei a campanhia, uma mulher, que deveria ser a mãe do Diego pela semelhança, abriu a porta.
  - Boa tarde,  Diego está? - perguntei.
  - Não me diga que é a nova namorada dele. - disse ela.
  - Não, não, não. Nunca. - falei rapidamente - Diego tem um gosto refinado, senhora. Provavelmente eu seria a última garota em toda galáxia que seu filho se interessaria. Diego é seu filho, não é?
  - Sim. Ele é meu filho. - ela suspirou e riu - Entre.
  Obedeci.
  - Mãe! - berrou Diego lá de cima - É a Katherina?!
  - Eu sou a Katherina. - falei.
  - Sim, é ela! - respondeu no mesmo tom do filho.
  - Mande subir! - gritou ele.
  - O quarto do Diego é o primeiro após subir a escada.
  - O quarto?
  - Sim.
  - Obrigada.
  Subi e bati na porta.
  - Entra. - mandou ele.
  Diego estava deitado na cama mexendo no celular.
  - Você é bem pontual. - disse ele quando fechei a porta atrás de mim.
  - Sou uma pessoa responsável.
  Ele sentou na cama e sorriu para mim. Um sorriso encantador demais.
  - Posso te chamar de Kate.
  - De jeito nenhum.
  - Katy?
  - Não. Katherina. Vamos estudar aqui? - perguntei.
  - No quarto? Sim. Tem algo contra?
  - Se sua namorada não se importar eu não me importo. - falei.
  - Não estou namorando e mesmo que estivesse ela com certeza não se importaria com sua presença em meu quarto.
  Eu, que nem sequer tinha tirado a mochila das costas dei meia-volta para ir embora.
  Diego pulou da cama e antes que eu pegasse na maçaneta ele já estava na frente da porta me impedindo de sair.
  - Eu sou tão babaca, me desculpe. - pediu ele.
  - Acho melhor procurar outra pessoa para ensiná-lo.
  - Não! Você é a única que pode me ajudar! Me desculpe, desculpa!
  - Eu sei que sou feia, tá legal? Mas não precisa ficar jogando na minha cara todo momento.
  - Desculpa, Katherina. Por favor, não vá.
  Lembrei de Caíque, do quanto ele estava feliz pelo campeonato. Pelo meu irmão eu aguentaria esse babaca arrogante.
  - Pegue seu caderno e vamos ao que interessa e não me dirija a palavra ao menos que seja sobre álgebra. Entendido?
  Ele concordou com um acenar de cabeça.
  - Ótimo! - falei - Agora vamos falar sobre sistemas lineares.

○○○

  - Por hoje basta. - falei me levantando da cadeira onde estava sentada ao lado de Diego. Fechei meu caderno e o livro e coloquei-os na mochila.
  - Amanhã no mesmo horário? - perguntou Diego.
  - Não posso amanhã. - respondi.
  - Porquê?
  - Não é da sua conta. - falei colocando a mochila nas costas - Mas o domingo inteiro estou livre.
  - Domingo tenho compromisso.
  - Na segunda então?
  - No mesmo horário e aqui em casa, certo?
  - Combinado. - falei.
  Ele levantou-se da cadeira e ficou me encarando.
  - Posso te levar em casa? - perguntou ele.
  - Não. - respondi rápido demais - Não precisa.
  Ele deu de ombros.
  - Você quem sabe. Então ao menos vou levá-la até a porta.
  Descemos a escada, a mãe dele estava assistindo TV, ele abriu a porta.
  - Obrigado pela aula.
  - Não agradeça, não estou fazendo por você.
  - Eu sei.
  - Tchau, Diego.
  - Tchau, Katherina.
  Tomei caminho em rumo para casa, mas depois decidi desviar um pouco do meu destino inicial. Fui para meu refúgio, a lanchonete Joe&Mary, era calmo e me trazia uma sensação maravilhosa.
  Fui até a minha mesa favorita, no canto, com vista para a praça Central. Um garçom veio até mim, já ia me entregar um cardápio, mas levantei a mão o detendo.
  - Sei o que quero. Um cappucino e dois donuts um com cobertura de chocolate e outro de doce de leite.
  - Sim senhorita.
  - Obrigada.
  Quando podia ou as coisas ficavam fora de controle em casa eu vinha para cá. Ouvindo música boa, tomando um cappuccino, chocolate quente ou até mesmo um café forte. Ficava ali olhando as crianças brincando no parquinho, idosos alimentando pombos ou apenas sentados em um dos bancos da praça refletindo.
  O garçom se aproximou com uma xícara e meus donuts. Comi devagar saboreando o sabor, bebi meu cappuccino aos poucos, quando finalmente tomei o último gole já passava das oito.
  Paguei e fui embora.
  De lá para minha casa não gastava nem dez minutos a pé se andasse a passos largos. O que eu fazia.
  Cheguei em casa, caminhei até a porta de trás e entrei. Meu pai estava na cozinha, sentado na bancada, com a cabeça apoiada nas mãos. Ele me encarou em silêncio enquanto eu fechava a porta.
  - Boa noite, pai. - cumprimentei ele.
  - Boa noite, Kate. Quero conversar com você.
  Era tudo que eu não precisava.
  - Agora?
  - Sim.
  Coloquei a minha mochila em cima da bancada e sentei ao seu lado.
  - Senti sua falta no jantar, Kate.
  - Hoje eu tive um compromisso.
  - E nos outros dias nas últimas duas semanas? Acha que não senti sua falta? Pergunto aos seus irmãos e eles não sabem onde você está ou o que está acontecendo. Estou preocupado com você, Kate.
  - Não precisa se preocupar. Eu estou bem.
  - Está mesmo?
  Concordei com um aceno.
  - Então vai me dizer o que anda fazendo a noite? Porque não vem jantando com sua família?
  Eu queria lhe dizer a verdade, mas do que adiantaria?
  - Eu...
  - Sebastian! - chamou Liz. Passos se aproximaram até se tornar uma pessoa, minha madrasta.
  - O que foi, Liz? - indagou ele.
  - Está com Katherina.
  - Estou conversando com ela.
  - Se precisa dele eu posso ir para meu quarto. - falei levantando do banco, mas meu pai segurou em meu pulso, não fortemente, mas firme o suficiente.
  - Vamos terminar nossa conversa, então sente-se. - disse ele.
  Obedeci.
  - Camille queria falar com você. - disse Liz.
  Ela sempre fazia isso. Sempre tentava tirar a atenção do meu pai de mim. E normalmente conseguia.
  - Depois que eu terminar de falar com a Kate eu falo com ela.
  - Mas é importante. - retrucou ela.
  - O que estou falando com minha filha também é importante! - explodiu Sebastian.
  Se tinha algo que Liz odiava - além de mim - era quando Sebastian me chamava de filha ou quando falava grosseiramente com ela. E ele fez as duas coisas. E por minha causa. Ela me fuzilou com os olhos.
  - Camille também é sua filha, esqueceu?
  - Não, não esqueci. Mas não vou deixar minha conversa com Kate pela metade por causa da Camille. Mande ela esperar, com licença, Liz. Quero terminar de conversar com Kate. Por favor.
  Ela me mataria com a mente se tivesse esse poder. Deu um sorriso forçado e virou-se voltando para sala.
  Sebastian suspirou e parecia cansado demais.
  - Pai, não acha melhor ir falar com, Camille? Deve ser importante.
Ele olhou para mim.
  - E o que estou falando com você não é? Agora pode continuar de onde paramos.
  Eu sorri.
  - Ah, Sebas...Pai, mesmo que tente fechar os olhos para não enxergar sabe que Liz me detesta, eu tentei muito me esforçar para não chateá-la, mas parece que tudo que faço a irrita, então eu decidi evitá-la. Vocês vivem discutindo por minha causa, não adianta negar. Eu só não quero mais problemas.
  - E acha que vai diminuir os problemas fugindo do jantar? Passo o dia inteiro fora, quando chego em casa quero está com meus filhos, todos eles. Sei que quer evitar Liz e que nem sempre é fácil, mas quando evita ela acaba me afastando de você e eu não quero isso.
  - Me desculpe. Eu sou uma péssima filha não sou? Além de feia uma má filha.
  - Você não é feia e nem uma filha má. Não fale mais isso.
  - Não posso prometer que estarei todos os dias no jantar, mas prometo que vou chegar um pouco mais cedo, tá bem?
  - Está ótimo.
  Me inclinei e lhe dei um beijo na bochecha.
  - Boa noite, pai.
  - Boa noite, Kate.
  Fui para meu quarto e encontrei Caíque deitado na minha cama.
  - Errou o quarto? - perguntei.
  - Estava te esperando.
  - Sebastian me parou para conversar na cozinha...E falando em conversar, o que queria me contar?
  Joguei a minha mochila na minha poltrona vermelha e deitei ao lado do meu irmão.
  - Sabe que namoro com a Tati faz um tempo.
  - Se sei...
  - Já conheci a família dela e ela está me cobrando para conhecer a minha...
  Eu não estava gostando nem um pouco do rumo da conversa.
  - E...
  - E marquei para ela vim aqui amanhã.
  - O quê?!

 
 
 
 

 
 
 

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