Capítulo XX

81 7 0
                                    

  No outro dia Diego não foi para escola, preocupada decidi passar na casa dele depois da aula. Toquei a campanhia, instantes depois Diego abriu a porta e me beijou tão intensamente que quando ele se afastou com um sorriso bobo eu estava sem fôlego e com o rosto corado, precisei de alguns segundos para conseguir falar, o que fez o sorriso dele ficar ainda mais largo.
  - Oi, é...Vim ver como você estava, fiquei preocupada porquê você não foi para escola, mas vejo que está muito melhor que ontem.
  E estava mesmo, o rosto já não estava inchado, apesar de estar com os hematomas ainda arroxeados.
  - Humm, fico feliz por sua preocupação, mas realmente estou bem melhor. - ele apertou levemente meu nariz - Estou muito contente por sua visita.
  Ele passou os braços por minha cintura.
  - Está, é? - indaguei sorrindo.
  Ele me puxou para perto dele.
  - Muito. - ele me deu um beijo no pescoço e foi traçando um caminho de beijos até minha boca - Já estava com saudades.
  - Estava?
  Ele me suspendeu tirando meus pés do chão e me levou para dentro de casa. Fechou a porta de casa com um chute.
  - Diego!
  - Eu até teria ido para escola só para te ver, mas precisava estudar para álgebra.
  - Quem te viu, quem te ver, hein Diego? Estou realmente impressionada.
  - Não mereço um beijo por isso?
  - Merece até dois.
  - Eu acho que ouvi três.
  - Na verdade, eu disse quatro.
  Eu o beijei, uma duas, três...e perdi as contas. Estávamos nos beijando quando um pensamento brotou em minha mente e me fez afastar-se bruscamente com o rosto ainda mais vermelho.
  - Sua mãe está em casa? - perguntei.
  - Não. - ele sorriu - Ela foi visitar uma das irmãs dela, minha tia Dori.
  Nos sentamos no sofá.
  - Ah. E o que ela falou ao te ver assim?  
  - Ficou furiosa com o que aconteceu com você. E grata por eu ter chegado...antes...Eu não gosto nem de pensar...
  - Eu também não. Não vamos pensar mais nisso, tá bem? Você se dá bem com sua família? - perguntei.
  - Ah sim, quer dizer, com a família da minha mãe eu me dou muito bem. E falando em família, ontem, quando eu e Caíque estávamos chegando na cozinha..
  - Você escutou parte da discussão. - completei.
  - Sim, era impossível não ouvir. Há algum problema?
  - Sempre há. Acho que o problema começou no momento em que nasci.
  - Não fale assim.
  - Desculpe, mas é a verdade. Ontem fiz um resumo para que você entendesse um pouco da minha história, mas não me aprofundei em cada um que mora comigo.
  - Então me conta agora, por favor. Quero saber mais sobre você.
  Eu sorri.
  - Vou te contar, para que você esteja preparado se o almoço de domingo se tornar uma zona de guerra.
  - O que disse? Almoço do domingo? Zona de guerra?
  A testa franzida dele me fez rir.
  - Calma, vou explicar tudo, meu pai pediu que eu o convidasse para almoçar lá em casa domingo, ele quer agradecer por ter me salvado de Dylan. - não ia mencionar o fato de Sebastian também querer saber implicitamente as intenções dele comigo - E sobre a zona de guerra, eu não te contei ontem que minha madrasta me odeia, se ela pudesse já teria se livrado de mim.
  - Por isso ela falou aquilo com você sobre o Dylan...
  - Sim. E aquilo foi o mínimo. Eu entenderia se ela não gostasse muito de mim, apesar de meu pai não ter traído ela, eles estavam separados. Mas não é uma simples implicância, é ódio. Ela já me machucou de tantas as formas que já não doe como antes. Quando eu era criança eu fazia de tudo para tentar ganhar o mínimo afeto dela, depois percebi que não adiantava, não importava o que eu fizesse ou o quanto tentasse ela jamais gostaria de mim, então tudo que faço é tentar evitá-la o máximo possível.
  - Meu Deus, Kate. Como ela podia tratá-la mal, você era apenas uma criança. Não tinha culpa de nada.
  - Para ela tudo é e sempre foi minha culpa. A Camille me detesta, eu fiz tudo para tentar se aproximar dela, mas Liz afastou tanto minha irmã de mim que eu não posso alcançá-la então desisti. O meu pai ele é maravilhoso, mas cada dia que passa está mais ocupado com o trabalho, acho que é o modo dele de ficar o máximo longe de casa, Para se livrar dos problemas banais que Liz acumula o dia inteiro para jogar em cima dele assim que ele coloca os pés dentro de casa. E tem o Caíque, o melhor irmão do mundo, a minha fortaleza. Eu faria qualquer coisa para vê-lo feliz.
  - Por isso criou o plano? - ele segurava minha mão nas suas.
  - Sim. Eu não sei bem o porquê mas sempre fui a esquisita nas escolas, e Caíque acabava sendo afetado por causa disso, ele era o "defensor da esquisita", eu sofria com isso, Diego. Então quando nos mudamos eu tive essa ideia, ele não gostou nada do meu plano, tive que insistir muito. Com Camille não consegui nem terminar de falar, ela já tinha aceitado. Em menos de uma semana eles já tinham feito amizade com os populares, Caíque entrou no time da escola, você é o melhor amigo dele e capitão do time de futebol, ele namora a líder de torcida. Camille está tão bem quanto ele. Estou feliz por eles.
  - E você?
  - Eu?
  - E sua felicidade? Aposto que não conta as coisas que fazem com você para, Caíque.
  - Não mesmo! Caíque não pode nem sonhar.
  - Você não merece isso, Kate. - ele segurou meu rosto com suas mãos e me deu um beijo na testa - Você é a pessoa mais doce e mais gentil que conheci em minha vida. É horrível o que fazem com você...Eu me odeio toda que vez que lembro o quanto fui rude e babaca com você. Me perdoe por todas as vezes que agi como um idiota com você.
  - Eu já te perdoei, faz um tempinho já.
  - Você não existe. Eu não mereço você, mas vou lutar todos os dias para merecer.
  Eu me inclinei e o beijei, o coração descontrolado, aquele friozinho na barriga. Com ele eu sentia uma paz...Como se finalmente algo dentro de mim estivesse completo.
  Eu me afastei sorrindo e disse:
  - Eu acho...Acho que nunca tinha sido realmente feliz antes de te conhecer.
  - Eu te amo, Kate. Eu te amo.
  - Também amo você. - lhe dei um beijo na bochecha e disse - Sabe eu queria muito que você tocasse para mim, desde que você me disse que tocava fiquei curiosa.
  Ele sorriu.
  - Quer me ouvir tocar?
  - E cantar.
  - Não costumo tocar para outras pessoas a não ser para mim mesmo...Mas, para o meu amor eu toco com prazer.
  - Como pode ser tão fofo? - eu o apertei em um abraço e o enchi de beijos.
  - Vamos fazer o seguinte - disse ele - Eu vou subir e escolher a música, e cinco minutos depois você sobe, porquê já vou estar pronto.
  - Nossa que profissional.
  Ele jogou uma almofada do sofá em mim e me deu um beijo.
  - Em cinco minutos, engraçadinha.
  - Cinco minutos. Entendido.
  Esperei exatamente cinco minutos depois eu subi, e quando abri a porta do quarto de Diego eu o vi sentado na beira da cama, com o seu violão posicionado, ele sorriu para mim e tocou os primeiros acordes e então começou a cantar:
   - Dona da minha cabeça ela
     vem como um carnaval
     E toda paixão recomeça,
    ela é bonita, é demais
   Não há um porto seguro,
   futuro também não há
       Mas faz tanta diferença
      quando ela dança, dança
     Eu digo e ela não acredita,
    ela é bonita demais
   Eu digo e ela não acredita,
   ela é bonita, bonita
  Digo e ela não acredita,
  ela é bonita demais
  Eu digo e ela não acredita, ela é bonita, é bonita
Dona da minha cabeça quero tanto lhe ver chegar
Quero saciar minha sede milhões de vezes
Milhões de vezes
Na força dessa beleza é que eu sinto firmeza e paz
Por isso nunca desapareça
Nunca me esqueça, eu não te esqueço jamais
Eu digo e ela não acredita, ela é bonita demais
Eu digo e ela não acredita, ela é bonita, bonita
Digo e ela não acredita, ela é bonita demais
Eu digo e ela não acredita, ela é bonita, é bonita.
  A voz dele parecia ter o timbre exato, não preciso dizer que estava a beira das lágrimas quando ele tocou o último acorde, né?
  Ele pousou o violão na cama e veio até mim.
  - Foi tão ruim assim? - perguntou ele - Não era para você chorar...
  Eu bati no ombro dele.
  - Ai!
  - Ruim? Foi...lindo! Foi maravilhoso! Seu tonto, como pode perguntar se foi ruim?
  Ele riu.
  - Você está chorando. - comentou ele enxugando uma lágrima que descia pela minha bochecha.
  - Porque eu sou uma manteiga derretida e choro por tudo! Ainda não percebeu isso?
  - Percebi sim, assim como percebi que a música que toquei diz muito sobre o que eu queria te dizer. Você é linda, Kate. É maravilhosa, e não merece viver com a bruxa da sua madrasta e a sua meia-irmã terrível.
  - Você é amigo da minha meia-irmã terrível, lembra?
  - Eu era amigo, não sou mais. Não depois de tudo que ela fez. - eu vi algo em seus olhos, como uma fúria contida. Mas logo desapareceu e neles só tinham afeto. - O que faremos com o restante da tarde?
  - Deixe-me pensar...- cocei o queixo para dar ênfase ao meu ser pensativo - A gente podia fazer biscoitos! De chocolate, com gotas de chocolate!
  - Não vou dizer que sou um chefe na cozinha, mas gostei da ideia.
  - Tem algum mercado perto daqui? Para gente comprar os ingredientes.
  - Tem sim.

○○○

  Quase uma hora depois estávamos melados de farinha de trigo, a primeira remessa de biscoitos estava no forno, a segunda estávamos terminando de fazer.
  - Tá com um cheiro muito bom! - falou Diego colocando mais farinha na massa.
  - Tá mesmo! Diego tem certeza que sua mãe não vai se importar de estarmos bagunçando a cozinha dela?
  - Ela não vai se importar, meu anjo. - disse ele com um sorriso torto.
  - Meu anjo?
  - Você é meu anjo. Posso chamá-la assim? Saiba que vou chamar mesmo que diga não.
  Revirei os olhos e joguei um pouquinho de farinha nele.
  - Pode me chamar assim.
  - Ah, é assim?
  Ele pegou um pouco de farinha e jogou em mim.
  - Trégua! - pedi rindo - Sabe que vamos ter que limpar e deixar tudo brilhando né? - argumentei.
  - Tudo bem, aceito a trégua.
  Tirei a primeira fornada de biscoitos e coloquei a segunda.
  - Diego, eu não quero ser intrometida, mas...Eu quero saber mais de você, eu me abrir com você, eu amo você e quero saber tudo que se passa com você.
  - Sobre o que quer saber?
  - Uma vez perguntei a você sobre seu pai e você mudou de assunto e hoje você disse que se dava bem apenas com sua família materna. Eu queria saber o que há entre você e seu pai, se quiser compartilhar comigo, claro. Não quero forçar a barra, nem nada...
  - Quero te contar. - ele disse um pouco sério - Quero que saiba tudo sobre mim, - ele pegou um prato de vidro e começou a colocar os biscoitos nele - Meus pais se separaram quando eu tinha sete anos, foi um período difícil. Mas de certa forma foi um alívio.
  - Um alívio? - perguntei pegando um biscoito.
  - Meu pai, ou melhor, a família do meu pai tem posses, dinheiro...Minha mãe estava abaixo do nível social que a família dele esperava, era uma secretária. Meu pai não ouviu eles e casou-se com minha mãe, ele era um rebelde, amava fazer as coisas para provocar meus avós, ele não amava minha mãe, mas gostava dela. Foi deserdado, minha mãe engravidou, no começo ele tentou fazer dar certo, mas o dinheiro começou a fazer falta, ele queria a vida fácil dele de volta e começou a se afastar de nós, então quando meus avós decidiram dar uma segunda chance a ele, meu pai não pensou duas vezes e nos deixou, como se não fôssemos nada, um capricho que ele enjoo e decidiu abandonar. A família dele nunca aceitou minha mãe, nunca me aceitaram. Ele agora tem a família perfeita dele, manda uma pensão para mim e presentes que a secretária dele escolhe. Kate, meu pai mora na cidade vizinha, e sabe quantos anos eu não o vejo pessoalmente? Quase dez anos.
  - Sinto muito, Diego. Sinto muito mesmo.
  - Eu também. Mas por sorte tenho uma mãe incrível, a melhor mãe que eu podia ter. - vendo uma traço de tristeza em meu rosto ele disse - Desculpe, Kate, sua mãe...Você não a conheceu...Sinto muito.
  - Acho que não devíamos sentir falta de algo que nunca tivemos. Mas eu sinto.
  - Se tivesse a oportunidade você a conheceria? - ele perguntou.
  - Sim, com certeza. Queria muito conhecer ela, Diego. Eu não tenho raiva dela, já tentei ter, mas eu não consigo. Eu sei que ela teve algum motivo muito forte.
  - Quando digo que você é um anjo, não é em vão. Já tentou falar com seu pai sobre isso?
  - Ah, sim. Mas Sebastian se fecha, sinto que isso o chateia. Ele se esquiva e eu sempre fico sem respostas. Mas ainda não desisti.
  - Ficaria decepcionado se desistisse.
  Peguei um biscoito e o ergui na direção de Diego, falei:
  - Que tal um brinde de biscoito pelas coisas boas da vida? No meu caso não são tantas assim, mas as que surgem são suficientes.
  - Um brinde então. As coisas boas da vida e a nós.
  - E a nós.
  Comemos o prato inteiro de biscoitos. Dividimos a segunda remessa para nós dois. Limpamos toda a cozinha. Conversamos até o entardecer e então, quando as estrelas brotavam no céu, nos despedimos com um beijo demorado, intenso e apaixonado.
  - Você vai domingo, não vai?
  - Não perderia esse almoço por nada. Com zona de guerra e tudo.
  Eu dei uma gargalhada.
  E quando acenei para ele sabia que o amava ainda mais.
 
 

 
 
 

Uma Chance para RecomeçarOnde histórias criam vida. Descubra agora