O que eu sentia era mais ou menos como se estivesse em queda livre direto para um abismo de sofrimento, eu via e revia a cena no refeitório, eu via as melhores lembranças de nós dois se tornar uma piada. Eu sentia como se alguém estivesse tentando arrancar meu coração do peito.
Sai chorando do laboratório, amparada por Denise, não me importava com quem estivesse vendo ou o que falariam. Ela me levou para o ambulatório e inventou para enfermeira que eu estava com dor no estômago. Fiquei deitada, olhando para o teto, me sentindo uma grande idiota por ter caído em toda aquela história. Por quê? Por que nada dava certo em minha vida?
Denise chamou Caíque, ele foi até lá me buscar para me levar para casa.
- Fique bem. - disse ela me dando um beijo na testa - Cuide dela, a pressão estava baixa.
- Eu vou cuidar. - disse meu irmão praticamente me arrastando para casa.
Viemos o caminho inteiro em silêncio, Caíque não tentou iniciar nenhuma conversa e eu agradecia em silêncio por isso. Não queria falar. Na verdade eu sabia que se começasse a falar ia desabar em lágrimas.
Chegamos em casa e entramos pela porta dos fundos. Eu desci para o meu quarto e me sentei na beirada da cama. Caíque desceu logo em seguida.
- Aquele cretino! - explodiu meu irmão finalmente - Ele nunca mais vai chegar perto de você! Nunca mais!
- Caíque...
- Ele não tinha o direito de te magoar dessa forma! Ele foi cruel e terrível!
- Ele é seu amigo. - falei.
- Ele era meu amigo! Eu confiei seu coração a ele, confiei você a ele e ele partiu seu coração!
- Eu sou tão imbecil... - falei em meio as lágrimas que já desciam.
- Não, você não é. Ele que é um completo babaca.
- Tá doendo tanto, Caí... A Camille conseguiu de novo. Ela conseguiu estragar tudo. Só...Só que dessa vez ela estragou minha vida, meu coração e minha felicidade. Por que ela tem tanto ódio de mim?! Por que ela sente felicidade em meu sofrimento?
- Camille passou dos limites! Eu vou ligar para Tati, tenho certeza que Camille está com ela. - disse meu irmão.
- Para Tati? Ela é igual a eles. - soltei.
- Não. Eu sei que está sofrendo, mas a Tati é diferente...
- Não, Caí, ela é igual ou pior! Ela é tão ruim quanto Camille e Diego! Eu tenho quase certeza que ela sabia dessa aposta.
- Ela não teve nada haver com aquela aposta ridícula dos dois! Eu sei que tá com raiva, mas não desconte nela!
- Tá. Tudo bem. Não vou discutir com você. Não tô com cabeça para isso. Eu só quero ficar sozinha. Por favor.
Ele parecia chateado comigo, mas ainda assim foi até mim e me deu um beijo na testa.
- Vou está em meu quarto se precisar.
- Não vai ter treino hoje?
- Não. E mesmo que tivesse eu não iria, porquê se eu visse Diego em minha frente bateria nele de novo.
- Você bateu nele?
- Não o quanto ele merecia por ter brincado com você. Mas ele não perde por esperar.
- Não. Não arrume mais problemas por minha causa. Por favor. - eu enxuguei as lágrimas do rosto - Eu vou superar tudo isso. Mais uma coisa te digo, essa foi a última vez que Camille aprontou comigo.
- Pode deixar, eu vou me entender com ela.
- Não. - falei firme - Eu vou me entender com ela. Só preciso parar de chorar sem parar.
- Você não merecia isso. Papai vai ficar furioso com ela.
- Não vamos atormentar ele em sua viagem.
- Tudo bem. Como eu disse vou estar lá em cima.
- Tudo bem. Obrigada, Caí.
Sozinha, me deitei encolhida na cama, as lágrimas encharcando meu travesseiro. A dor consumindo meu ser. Nunca tinha sentido tanta dor.
Eu queria sumir. Desaparecer.
Queria esquecer tudo, queria esquecer Diego. Queria arrancar o que sentia por ele do meu coração para que a dor fosse junto.
Pela primeira vez em minha vida eu queria não sentir.○○○
Eu adormeci chorando e acordei com uma música no último volume. Eu tinha certeza que era Camille.
Levantei da cama. No reflexo da tela do celular vi meus olhos inchados. Olhei a hora, passava das nove da noite. Tinha mais de trinta ligações de Diego, e mensagens. Eu não retornei nem li. Desliguei o celular e o coloquei em cima da cômoda. Minha cabeça latejava e a vontade de chorar havia voltado assim que abri meus olhos. Mas eu não ia chorar. Esfreguei os olhos com força. Não ia chorar mais por causa de nenhum deles. Eu ia atrás de Camille e ia enfrentar ela. Dessa vez não aguentaria calada.
Subi pronta para confrontar.
Antes mesmo de chegar na sala ouvi várias vozes. Então ela tinha feito uma festinha para comemorar meu sofrimento? Ótimo. Então eu não podia faltar.
Assim que fui notada abaixaram a música. Camille me fitou surpresa. Ela achava que eu ficaria no quarto chorando por dias.
- Ora, ora - disse ela quando recuperou-se da surpresa - Pessoal, eis o motivo de eu nunca ter feito festinhas aqui em casa, eu tenho o patinho feio como irmã.
Todos ficaram em silêncio de queixos caídos.
- Tá brincando né? - perguntou um deles chocado.
- Não. Quem dera estivesse - respondeu ela - Meu pai teve essa bastardinha horrível, a mãe dela, que devia amá-la incondicionalmente a abandonou como lixo e meu pai com pena decidiu criá-la.
Eu senti a raiva me dominando, como um vulcão em erupção. Incontrolável. Eu dei três passos na direção de Camille e lhe dei uma bofetada que a desequilibrou, ela só não caiu no chão porque dois de seus amigos a ampararam.
- Estou farta, Camille! - gritei - Farta da sua futilidade, de suas humilhações! Eu nunca te fiz nada! Não sei porquê tem tanta raiva de mim. Eu perdoei você por tudo que me fez, Camille. Tudo! Mas o que você fez comigo hoje, pela sua aposta eu não vou te perdoar nunca!
Ela parecia a fúria em pessoa quando ficou de pé novamente.
- Quem disse que quero seu perdão?
Ela levantou a mão para retribuir a bofetada que lhe dei. Mas eu segurei seu pulso, cravando minhas unhas em sua pele e com a mão livre eu lhe dei um soco no nariz.
- Segurem ela! - berrou Camille segurando o nariz sangrando.
Tentei correr, mas um dos amigos dela com moletom e o capuz cobrindo o rosto me agarrou pela cintura.
E esse amigo tinha um cheiro bastante familiar.
- Ninguém toca nela! - disse o sujeito com uma voz ameaçadora. Uma voz que eu imediatamente reconheci. Eu reconheceria em qualquer lugar.Diego. - O primeiro a se aproximar vai se ver comigo.
Ninguém ousou dar nenhum passo em nossa direção.
- Me solte! - ordenei.
Ele me ignorou, me girou e jogou-me em seu ombro. Eu bati nas costas dele enquanto ele me levava pela cozinha, desceu a escada do meu quarto e me jogou na cama.
- Saia daqui! - gritei arremessando meu travesseiro nele, mas ele desviou sem nenhum esforço - Saia!
Ele puxou o capuz para as costas, revelando seu rosto, estava pálido, e os olhos pareciam inchados também.
- Não vou sair daqui até a gente conversar.
Eu cruzei os braços.
- Não temos mais nada para conversar - sentia os olhos queimando, as lágrimas querendo trilhar caminho por minha face, mas eu me ordenei a não chorar. - Achei que tinha sido clara mais cedo.
Ele deu um passo em minha direção, mas eu recuei levantando da cama.
- Você precisa me ouvir. - insistiu ele quase suplicando.
- Se não vai sair, saio eu.
Tentei passar por ele, mas Diego bloqueou todas minhas tentativas e na última me segurou pelos braços e me sacudiu enquanto dizia:
- Pelo amor de Deus, me escute! - ele parou de me sacudir, mas não me soltou - Desculpe. Eu sei que errei, que fui um babaca, um imbecil por aceitar aquela aposta. Mas nada que aconteceu entre nós tem haver com ela. O que sinto por você é verdadeiro, eu...
- Eu não quero ouvir! Eu te perguntei o que tinha entre você e a Camille, o que tinha de errado e você disse na minha cara que não tinha nada! Você mentiu! Eu me abri com você! E você... Você não me contou, você teve todas as chances do mundo para me explicar, para me contar. Mas não o fez. Agora meu coração está partido, a dor é insuportável e agora sou eu que não quero ouvir. Vá embora, Diego. - falei apontando em direção a escada.
- Eu desisti da aposta! - ele falou desesperado - Eu te amo de verdade, eu disse a Camille que não teria mais aposta porquê eu tinha me apaixonado por você. Eu também estou sofrendo!
- Vá embora.
- Por favor, Kate...
- Isso é outra aposta? Tentar me fazer acreditar que realmente gostava de mim? Em que momento vão descer e fazer toda aquela palhaçada?
- Eu amo você.
- Eu não acredito. Você apostou o sentimento de alguém, o meu sentimento por um beijo de Camille.
- Kate, eu não sou mais aquele cara idiota, eu mudei, você me mudou! Você não tem ideia do quanto me arrependo e me envergonho. Preciso que acredite em mim.
- Eu não acredito. Eu não confio mais em você.
- Você olhou em meus olhos um dia e viu que eu falava a verdade sobre o que eu sentia por você.
- Eu achei que os olhos não mentissem. Eu me enganei.
Ele me soltou.
- Vou te provar que o que sinto por você é verdadeiro.
- Saia do meio quarto, saia da minha vida!
- Eu não vou desistir de você.
- Saia! - gritei empurrando ele em direção a escada.
- Kate, - o olhar dele pareceu tomado de preocupação - Sua madrasta não vai deixar barato o que fez com Camille, nem a própria.
- Eu me viro. Vá embora.
- Venha comigo.
- Não vou para lugar algum com você. E meus problemas são apenas meus. Você não tem nada haver com minha vida, qualquer vínculo que tínhamos terminou aqui.
- Me prometa que se uma delas te machucarem você vai ligar para mim.
- Nada que elas fizerem vai chegar perto do quanto você me machucou.
- Kate...
- Agora vá.
- Eu vou. Mas eu volto.
Fechei a porta na cara dele e enxuguei uma lágrima que ousou descer.○○○
Mas claro que todos os acontecimentos do dia tinham sido poucos. Precisava da cereja do bolo.
Depois que Diego foi embora, fiquei sentada em um dos degraus da minha escada, abraçada as minhas pernas. Não sabia quanto tempo havia se passado, quando ouvi batidas fortes na porta do meu quarto.
Sabia que não era Caíque. Já tinha mandado mensagens para ele e não tinha recebido resposta. E ele jamais bateria assim. Cogitei não abrir a porta.
- Abra essa porta agora mesmo! - berrou Liz.
Fechei os olhos e massageei minhas têmporas tentando aliviar ao menos a dor de cabeça.
- Abra essa porta!
Bufei.
Com a cabeça latejando me levantei e fui encarar o dragão.
Mal tinha entreaberto a porta quando fui puxada pela camisa para fora e antes mesmo que eu conseguisse pensar em algo ou me equilibrar levei uma bofetada de Liz. Eu cai e bati a testa na bancada de mármore. Senti algo escorrendo perto do meu olho. Eu toquei. Sangue.
Não era mesmo a primeira vez que ela me fazia sangrar. Meus óculos quebrou com a queda.
- Você passou de todos os limites sua bastarda insignificante! Bater em minha filha? Na frente dos amigos dela? Esqueceu seu lugar nessa casa? - ela apertou minhas bochechas cravando suas unhas nelas - Você foi um erro de Sebastian e eu estou cansada de te aturar! Você não faz parte dessa família! Você é uma mancha, sua coisa medíocre e horrível. E vai pagar pelo que você fez, Sebastian não está aqui agora e nem Caíque, você é um fardo para os dois. Um fardo! - ela ergueu a mão para bater em mim de novo, mas dessa vez eu estava esperando e segurei o braço dela.
- Nunca mais você vai tocar em mim! Nunca mais quero olhar para sua cara deprimente. - falei - Eu sei, Liz, que não faço parte da sua família, suportei muito de você e de sua filha. Mas não se preocupe, seu sonho acaba de se realizar, eu vou embora. Não aguento mais. Estou no limite. Você nunca mais vai precisar olhar para bastarda aqui, vai ficar livre de mim. De uma vez por todas. - soltei ela - Espere aqui, quero que faça as honras da minha saída da sua vida para nunca mais aparecer.
- Com certeza vou ficar.
- Ótimo! Eu já volto.
Desci correndo até meu quarto. Joguei os livros e tudo que tinha na mochila da escola e coloquei algumas roupas, não dava para levar tudo. Peguei outra bolsa, coloquei alguns objetos pessoais, um bloco de anotações onde tinha as poucas informações da minha mãe, documentos e todas minhas economias que eu guardava para esse momento. Estava me adiantando um ano, mas tinha que servir. Olhei para meu celular. Eu não ia levar ele. Então digitei a seguinte mensagem para Caíque, ele não estava online.
"Querido irmão, sinto muito por sempre ter causado problemas em sua vida. Eu queria que as coisas fossem diferentes. Só quero que saiba que eu te amo, sempre vou te amar. Você é o mais incrível e o melhor irmão do mundo. Te amo para sempre. Um beijo e um super abraço de sua estranha.
E por favor, diga a Sebastian que eu o amo e que ele foi o melhor pai do mundo e que ele nunca falhou comigo.
Não se preocupem, estarei bem.
Enviei para ele. Uma lágrima caiu na tela do celular. Joguei o celular na cama. Peguei a chave de casa, minhas duas mochilas e subi. Liz estava em pé, ao lado da porta aberta dos fundos com uma taça de champanhe.
- Saia. E nunca mais volte. - disse ela.
- Nunca mais pisarei nessa casa. Espero nunca mais precisar vê-la, e de todo meu coração, espero que o problema dessa casa realmente seja eu, para que você finalmente dê um pouquinho de paz para Sebastian.
- Desapareça daqui.
- Com prazer.
- Mas antes me dê as chaves.
- Ah, claro.
Ela estendeu a mão.
Eu olhei para ela, sorri e joguei as chaves do outro lado da cozinha.
Dei as costas para ela, para a casa, para a família que Sebastian achava também ser minha. Dei as costas para uma vida triste e cheia de humilhações.
Estava dando a chance de Sebastian se livrar de mim, de Caíque ser feliz de verdade.
Eu nunca mais atrapalharia a vida deles.
E então pensei em Diego. Não queria pensar nele, mas continuava pensando. Ele parecia sinceramente arrependido, mas a dor que eu sentia no momento era forte demais para eu perdoá-lo.
E mesmo sentindo toda essa dor no primeiro telefone público que avistei eu parei e telefonei para Diego. Porque apesar de tudo a voz dele sempre me trazia uma sensação de segurança e paz.
No quarto toque ele atendeu.
- Alô? Alô? - disse ele - Olha eu tô em um péssimo dia, então seja quem for, ou fala ou desliga.
Fiquei ouvindo a respiração dele enquanto estava em silêncio me controlando para não chorar de novo.
- Kate? - falou ele de repente - Kate é você?!
Eu não disse nada.
Eu desliguei.
- Adeus, Diego. - sussurrei para mim mesma.○○○
Uma hora mais tarde eu estava na estação rodoviária.
- Uma passagem para Deven. - falei para o senhor risonho que vendia as passagens.
- Ida e volta?
- Não senhor, só ida.
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Uma Chance para Recomeçar
RomanceA felicidade nunca caminhou lado a lado com Katherina Thomson, ela podia dizer que sua infelicidade começou quando foi abandonada pela mãe. A sorte também não parecia simpatizar muito com ela, era criada pelo pai e uma madrasta que a odiava. O mundo...