Entramos em um loja em um posto de gasolina, não muito longe da praça onde nos encontramos. Compramos chocolates e outras guloseimas, pagamos ao cara barbudo e mal humorado do caixa e saímos.
- Para onde vamos agora? - perguntou ele.
- Eu não faço ideia.
- Eu tenho uma ideia.
- E qual seria?
- Se andarmos mais uns dez minutos chegamos na orla da praia.
- Na praia?
- Algo contra?
- Não. Só faz um tempão que não vou a uma.
- Ótimo.
Começamos a caminhar, andamos uma boa parte em silêncio.
- Você mora longe daqui? - perguntou ele quebrando o silêncio.
- Um pouco. - respondi.
- Mora com seus pais?
- Quer mesmo saber da minha vida?
- Eu tô perguntando, não tô? Se eu quero ser seu amigo, e eu quero, tenho que saber mais sobre você.
- Eu moro com meu pai, não conheço minha mãe.
- Não conhece?
- Ela me abandonou em frente a casa do meu pai, uma semana depois que eu nasci.
- Nossa.
- Eu sei, é horrível.
Ele ficou em silêncio de novo, então decidi que era minha vez de quebrar o silêncio:
- E você, Diego, já conheci sua mãe, mas não vi seu pai naquele dia.
- Meus pais são separados desde que eu era criança e não tenho um bom relacionamento com meu pai.
- Sinto muito.
- Que tal falarmos sobre coisas melhores. - sugeriu ele mudando de assunto.
Parece que todo mundo tem uma ferida profunda que dói demais ao falar sobre ela.
- Que tipo de coisas? - indaguei - E lembrando que foi você que iniciou o assunto.
- Coisas mais simples, me fala do que gosta. E não me diga estudar porquê eu surtaria.
Eu ri.
- Do que gosto? Bem...Gosto de ler - ele fez uma careta - pare de fazer isso! - mandei - Gosto de passear ao ar livre, de dançar...
- De dançar? - interrompeu-me ele.
- Sim, me deixa leve e com uma sensação maravilhosa. Mas não em público, tenho vergonha.
- Não devia ter.
- Gosto de ir na livraria, de doces, de desenhar e estudar.
- Não acredito que você falou.
- Perguntou o que eu gostava, não foi? Respondi. E você?
- Gosto de sair, ir a festas, boates, de flertar - revirei os olhos o que o fez rir. Ele tinha um sorriso fácil e lindo demais, de tirar o fôlego. Na mesma hora me desfiz daquele pensamento - Gosto muito de futebol, de doces, gosto de ser popular, e gosto de tocar violão, às vezes até canto.
- Sério?
- Por que essa cara de descrença, minha voz não é bonita?
- Só posso saber se um dia o ouvir cantar.
- Quem sabe um dia.
- Quem sabe.
Tirei meu chinelo e coloquei os pés na areia gelada.
- Katherina?
- Hum?
- Podíamos mergulhar.
Eu dei uma risada.
- Sério? Agora? De noite? - indaguei depois de parar de rir.
- Qual o problema? Nunca tomou banho de praia a noite?
- Não. Eu nunca fiz isso.
- Há sempre uma primeira vez para tudo.
- Eu não vou.
- Então eu vou sozinho. - disse ele arrancando a camisa pela cabeça - deixando à mostra aquele abdômen perfeito (pare de encarar, Kate!!!) - e jogando a camisa em meu rosto.
- Está brincando, não está? - ele não se deu o trabalho de responder.
Diego correu para dentro da água e mergulhou, quando emergiu sorriu para mim e gritou:
- Venha, a água tá ótima!
Suspirei. Eu já estava ali com ele, aquela noite já parecia irreal mesmo, eu sabia que quando chegasse em casa o mundo desabaria sobre mim, como quase sempre. E eu faria ainda mais o possível para evitar confrontos com Liz ou Camille. E principalmente com Sebastian.
- Tá bem! - gritei - Eu vou entrar!
Adicionar resfriado a minha lista de como pode ficar pior o fim de semana não afetaria tanto.
Tirei meus óculos, coloquei em cima do meu par de chinelo junto com minha bolsa.
Entrei rápido antes que mudasse de ideia e mergulhei chegando perto de onde Diego estava.
- Seu mentiroso! A água tá super fria! - reclamei rindo e jogando água nele.
- Acha que eu ia passar frio sozinho?
- Você é uma pessoa má, se eu ficar doente você fica sem aulas de álgebra.
- Não vai ficar doente. E porquê entrou de vestido? - indagou ele percebendo me traje.
- Ué, com o que queria que eu entrasse? - os olhos dele responderam - Não acha que eu ficaria só de sutiã e calcinha na sua frente, acha?
- É a mesma coisa que está de biquíni.
- Eu não acho.
Ele jogou água em mim.
- Seus olhos são lindos. - disse ele com aquele sorriso que começava a me desestabilizar.
Franzi a testa.
- O quanto bebeu na festa? - perguntei.
- Tenho que está bêbado para fazer um elogio à você? Estou noventa e três por cento sóbrio, tomei uma cerveja e só.
- Está me elogiando ou zombando?
- Com certeza elogiando.
Senti meu rosto corar. Dificilmente as pessoas me faziam elogios - principalmente sobre aparência - e quando os recebia não sabia lidar com eles, ficava toda sem jeito.
- O-obrigada. - falei gaguejando.Ele se aproximou um pouquinho mais do que devia de mim. - Acho melhor sairmos. - falei quase em um sussurro.
Ele esboçou um sorriso.
Por que ele tinha que ter um sorriso tão lindo, um rosto lindo, um corpo...
Interrompi meus pensamentos antes que fossem por caminhos sem volta.
- Por quê? - ele perguntou.
- Ora porquê? Porque preciso ir para casa.
- Já?
- Já deveria ter voltado. - falei e então me dei conta de uma coisa - Droga eu entrei de vestido!
- Qual o problema?
- Como vou para casa assim?
Comecei a sair da água.
- Viu, eu estava certo, devia ter entrado sem o vestido. - disse Diego vindo logo atrás de mim.
Fulminei ele com os olhos.
Peguei minha bolsa, coloquei meus óculos e calcei meu chinelo.
- Eu já vou, até a escola Diego.
- Ei, calma. Vou acompanhá-la até sua casa.
- Não. Não precisa.
- Claro que precisa, é perigoso.
Ele vestiu rapidamente a camisa e passou a mão para trás no cabelo.
- Eu vou pegar um ônibus, chego rápido e desço praticamente em frente a minha casa.
- Então vou esperar o ônibus com você. Posso ao menos fazer isso?
- Pode.
- Ainda bem que concordou, porquê eu iria mesmo que dissesse não.
- Você às vezes é tão...
- Irresistível?
- Irritante!
Andamos até o ponto de ônibus, encharcados - eu mais que ele - por sorte não era distante da praia e logo chegamos. Não tinha ninguém além de nós dois.
- A noite foi muito boa. - comentou ele.
- É, foi mesmo. - eu tive que concordar - Obrigada, Diego.
- Eu que agradeço.
- Mas, foi isso, apenas uma noite. - ele franziu a testa, aparentemente confuso - Você sabe, apesar de dizer o contrário, que nunca vamos ser amigos, somos diferentes demais, e pertencemos a grupos diferentes, você já viu algum popular andar com alguém como eu? Integrante dos excluídos? Não né? Porque isso não acontece, é uma interferência a ordem natural das coisas, e...E é melhor assim, seríamos rejeitados por nossos grupos, deserdados! Entende? - ele parecia se segurar para não rir mas continuei falando - Bem a noite foi muito boa, mas acabou, foi um parênteses em nossas vidas e... É isso. Não vai dizer nada?
- Você preparou esse discurso no caminho ou foi improvisado?
- Improvisado.
- Uau! Acho que você tá enganada em relação a nossa amizade, mas não quero discutir com você, não hoje. O tempo vai te provar, e isso pareceu um término, mas a gente não tem nada, ainda. Hoje vou concordar com você, não quero estragar nosso parênteses.
Eu mesmo sem querer acabei rindo.
Diego se inclinou em minha direção e por um segundo meu coração vacilou, até ele me dá um beijo...na bochecha. Depois foi se afastando bem devagar, os olhos fixos nos meus, um sorriso no canto da boca.
Então vi o ônibus vindo, e agradeci por ser o meu.
- Tchau Diego.
- Até a segunda, Katherina.
Fiquei feliz de não ter tropeçado nos degraus do ônibus ao entrar. Ao me sentar em umas cadeiras do ônibus eu não acenei para ele, nem virei para vê-lo se distanciar até sumir de minha vista.
E convenci a mim mesma que o meu coração acelerado não era por conta daquele beijo, nem porquê passei uma parte da noite com Diego. Eu não gostava dele, não gostava.
Seria tola se gostasse.
Então decidi deixar de pensar nessas bobagens e focar no meu real problema:
O que me esperava em casa.
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Uma Chance para Recomeçar
RomanceA felicidade nunca caminhou lado a lado com Katherina Thomson, ela podia dizer que sua infelicidade começou quando foi abandonada pela mãe. A sorte também não parecia simpatizar muito com ela, era criada pelo pai e uma madrasta que a odiava. O mundo...