Capítulo IV

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  - Você está brincando, não está? - falei me sentando na cama - Caíque, me diga que tá brincando.
  - Eu não tô brincando. - disse ele simplesmente.
  Peguei meu travesseiro e bati nele três vezes, bateria a quarta se ele não tivesse agarrado o travesseiro e tomado de mim.
  - E só me conta isso agora! - praticamente gritei.
  - Tentei contar à tarde, mas você estava com pressa.
  Eu o fuzilei com os olhos.
  - Isso não pode tá acontecendo.
  - Sabia que reagiria assim.
  - Claro! De que modo quer que eu reaja?! Ela vai descobrir que somos irmãos, Caíque!
  - Kate, uma hora ela terá que descobrir, quero namorar sério com ela e ela quer conhecer minha família. Chegou a hora.
  - Isso será muito esquisito, um desastre! Posso ficar de fora?
  - Não, Kate. Mas já pensei em uma solução.
  - Pode me dizer qual antes que eu surte de vez?
  - Vou pedir a ela segredo. Está bem? Está mais calma?
  - Continuo histérica por dentro.
  Ele riu.
  - Kate...
  - Como pode estar tão calmo?
  - Não tô totalmente calmo, tá? Estou nervoso, não sei qual será a reação dela.
  Eu sei qual será.
  - Tem certeza que ela vai guardar segredo? - perguntei.
  - Confio nela. - ele sentou-se também - Quero te fazer uma pergunta.
  - Faça.
  - Tem algo contra a Tati?
  Não atrapalhe a felicidade do seu irmão.
  - Não. - Sim. - Só não quero que as coisas se compliquem. Sabe, acho melhor você contar um pouco antes a ela. Para não ser tão surpreendente.
  - Como quiser.
  - De que horas vocês vão vim?
  - No jantar.
  Suspirei.
  - Ok.
  - Você parece cansada, vou deixar você descansar. - ele me deu um beijo na bochecha - Boa noite, Kate.
  - Boa noite.
  Ele desceu da cama, fiquei encarando meu irmão subir os degraus e só quando ouvi o rangido da porta fechando é que desabei na cama e enfiei minha cabeça em baixo do travesseiro.
  - Isso não pode tá acontecendo, não pode.

○○○

  Dizer que passei a noite sem conseguir dormir pensando em todas as versões que consegui imaginar de Tati me vendo pela primeira vez não apenas como a esquisita da classe, mas irmã do seu namorado, sua cunhada, foi basicamente um seriado de terror.
  Levantei da cama antes do meu despertador tocar. Hoje era sábado e eu trabalhava na floricultura do sr.Fillipo. Tomei banho para tentar melhorar a aparência e matar o sono. Joguei na bolsa meu celular, um caderno de anotações, um livro sobre flores que peguei na biblioteca pública da cidade, prendi meu cabelo em um rabo-de-cavalo e me arrastei para cozinha.
  Para minha surpresa meu pai não estava acordado às seis e meia da manhã, então peguei uma maçã na fruteira da mesa, sai pela porta dos fundos, peguei minha bicicleta, coloquei a bolsa na cesta dela e pedalei até a floricultura.
  Quando cheguei sr.Fillipo já tinha aberto seu estabelecimento, tinha começado a ajeitar os jarros com as flores na calçada.
  - Bom dia, sr.Fillipo. - falei descendo da bicicleta.
  - Bom dia, Kate.
  - O dia está lindo hoje, não acha?
  - Está mesmo. Hoje tenho uma encomenda para levar ao outro lado da cidade então você hoje vai ficar tomando conta da floricultura.
  - Sim senhor.
  Meia hora depois quando carregamos a van com as flores sr.Fillipo partiu e me deixou sozinha com as flores e meus pensamentos. Ah e como meus pensamentos me torturavam pensando em como seria o jantar...Seria tão desconfortável...Uma catástrofe.
  Tati sabia que Caíque e Camille eram irmãos, minha irmã estava no segundo ano, e ficou super feliz por eu preferir fingir não ser irmã dela. A semelhança entre meus dois irmãos era evidente, o mesmo formato do rosto, os cabelos quase louros, como os de Sebastian e Liz, os olhos azulados como o céu, até o sorriso deles eram parecidos, fora a beleza. Já eu, herdei de Sebastian apenas a cor de um dos olhos que era verde musgo, eu tinha uma anomalia genética nos olhos chamada heterocromia, um dos meus olhos era verde e o outro castanho-escuro. Meu cabelo era castanho-avermelhado, quase ruivo, eu tinha sardas espelhadas pelo nariz, nas bochechas e pelos ombros, usava óculos por ser míope e por conta de uma "brincadeira" de Camille, um corte horrível em meu cabelo, tive que usar franja, ainda tinha o fato de ser uma magricela. Enfim, eu não era nem de longe um exemplo de beleza. Então, por essa grande diferença de aparência entre eu e meus irmãos foi super fácil fingir não ser irmã deles. Além de nossos nomes - eu não tinha o sobrenome do meu pai - como quando fui deixada na porta do meu pai eu já tinha sido registrada, Sebastian não se importou em mudar meu registro com seu sobrenome. A única coisa que posso dizer que tenho em comum realmente com meu pai e até Caíque é um sinal de nascença nas costas que mais parece uma estrela.
  Eu continuava pensando em como Tati reagiria quando descobrisse que eu, a garota que ela mais amava infernizar, era irmã do namorado dela. Provavelmente ficaria apavorada. Não resisti a  vontade de rir.
  - Posso saber do que está rindo?
  A voz que me arrancou dos meus pensamentos era bastante familiar.
  Olhei para a porta surpresa por não ter ouvido o sino soar e por alguém está me observando. Posso dizer que minha surpresa maior foi meus olhos se depararem com Diego.
  - O-o que vo-você tá fazendo aqui? - me odiei por gaguejar e o odiei por sorrir.
  - Ora Katherina, que pergunta tola, o que se faz em uma floricultura?
  Senti o rosto queimar. Ele parecia se divertir com minha falta de jeito. Recuperei o máximo que consegui da minha dignidade e perguntei:
  - Do que está a procura?
  - Flores.
  O fulminei com os olhos o que o fez rir.
  - Que tipo exatamente de flores? - perguntei entredentes.
  Cruzei os braços para não pegar o jarro com terra mais próximo e atirar nele.
  - Não faço ideia. - disse ele se aproximando do balcão onde eu estava apoiada - Mas você pode me mostrar as mais belas.
  - Por acaso sabia que eu trabalho aqui?
  - Não. - respondeu com um ar insolente e inocente. - Foi uma baita coincidência, não acha Katherina?
  - Não, eu não acho.
  Ele apenas deu de ombros e deu mais um de seus sorrisos.
  Sai de trás do balcão e acenei para que me seguisse até as prateleiras carregadas com as mais variadas flores de cores e tons diferentes e uma mistura de cheiros espetaculares.
  - Bem - iniciei - acho que beleza é algo subjetivo, vai de gosto e preferência, mas se quiser minha opinião eu acho linda as rosas do deserto, também tem o clichê das flores, as rosas vermelhas, elas tem um perfume encantador, também tem as tulipas, eu tenho uma paixão secreta por elas...- suspirei e lembrei com quem estava falando, recuperei a compostura - Posso passar o dia inteiro falando sobre flores, então se você disser quem quer presentear posso lhe sugerir alguma em especial.
  - Você fala com paixão sobre as flores, parece saber muito sobre elas.
  - Sou uma apreciadora e tenho estudado bastante sobre elas.
  Ele me lançou um sorriso torto.
  Desviei os olhos daquela boca que parecia provocar com sorrisos.
  - Notei. - ele enfiou as mãos nos bolsos da bermuda jeans.
  - Então...
  - É para uma amiga, ela faz aniversário hoje e eu devo um pedido enorme de desculpas a ela. Soube que flores são excelentes para iniciar um pedido de desculpas. Então, qual me sugere?
  - Bem...uma amiga...- percorri meus olhos pelas prateleiras - Deixe-me ver...Orquídeas! Que tal orquídeas? - mostrei a ele - São lindas, não são? Ou astromélias...
  Coloquei as mãos na cintura decidindo entre qual optaria.
  - Qual você escolheria? - perguntou Diego.
  - Orquídeas. - respondi - Sabe se ela é alérgica a algum tipo de flor?
  - Não, ela não é alérgica. - respondeu ele - Então vou ficar com as orquídeas.
  Preparei um buquê para ele.
  - Deveria levar uma caixa de bombons, chocolate é um ponto fraco para a maior parte da população, e se quer amolecer...adoçar o coração dela...
  - Você é uma ótima vendedora.
  - Obrigada.
  - Se acha que ela vai me perdoar, eu levo a caixa.
  Entreguei o buquê e a caixa de bombons.
  Ele me pagou e me deu mais um de seus sorrisos.
  - Obrigada pela preferência. - falei.
  - Te vejo segunda, Kate. - disse Diego ao passar pela porta.
  - Para você é Katherina! - gritei.
  E ele ouviu, pois mesmo já com certa distância ouvi sua risada.

 
 

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