CAPÍTULO DOZE

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Uma semana depois da ligação do Pedro e ainda não consegui esquecer seu tom de voz. Ele ligou dois dias depois — algo totalmente fora dos padrões — mas optei por não falar com ele. Pedi ao Júnior para dizer que eu estava no banho, e como ele não consegue conversar com as crianças mais do que alguns minutos, a ligação foi encerrada com um Júnior monossilábico. É tão triste constatar que a relação entre os dois não é amorosa. Não considero nem mesmo saudável. O Pedro é muito machista, e vive incitando o Júnior a arranjar namorada. Como o Júnior é alguém que simplesmente ignora aquilo que não lhe agrada, eles brigam muito. Já a relação dele com a Helena, é algo mais próximo de uma relação entre pai e filha. Ele não é exatamente alguém amoroso, mas também não é rude quando fala com ela.

Entro na oficina para mais um dia de curso, e me surpreendo quando o chef acena para mim. Sinto vontade de olhar apara os lados, apenas para me certificar. Então ele sorri e me chama novamente.

Caminho ao seu encontro e não posso deixar de pensar que sentirei muita saudade de conviver com essas pessoas. Todos aqui estão focados em melhorar suas técnicas e habilidades, e isso permite que aprendamos tanto com o professor, quanto com os colegas.

Infelizmente estamos na reta final do curso.

— Bom dia, Marina — ele me cumprimenta com um sorriso.

— Bom dia, Rodolfo.

— Eu gostaria de te parabenizar pela excelente torta de camarão que você fez em nossa última aula.

Sinto-me ruborizar com esse elogio tão importante.

— Obrigada... apesar de já ter feito esta torta milhões de vezes, a técnica que você ensinou para usarmos na massa, a deixou muito mais macia e deliciosa.

Ele cruza os braços sobre o peito largo. Sua expressão é de pura curiosidade, e fico sem entender quando ele assente satisfeito e me encarando, diz:

— Você trabalha com isso

Confusa, indago:

— Com isso o quê?

Vejo um sorriso brincando no seu rosto, e sinto-me uma perfeita idiota por perguntar algo tão óbvio. Então, notando meu constrangimento, ele esclarece:

— Com comida. Trabalha com comida?

Sei que muitos que aqui estão, tem o objetivo de aperfeiçoar suas técnicas para usá-las como aprofundamento na profissão, porém, jamais pensei em trabalhar cozinhando para fora. Cozinhar é apenas um hobby.

Então, esclareço:

— Não, não trabalho. Cozinhar é um hobby.

Ele parece muito surpreso. Descruza os braços e coça a cabeça com um sorriso enigmático pairando nos lábios. Vejo alguns alunos que começam a entrar na cozinha, e pelo visto ele também percebe, porque baixa um pouco mais o tom de voz, e indaga surpreso:

— Um hobby?

Assinto.

Ele então, ele se aproxima um pouco mais e pegando alguns utensílios e colocando-os em cima da bancada, onde costuma ministrar as aulas, ele diz:

— Você deveria transformar seu hobby em negócio. Você tem talento Marina.

Com o canto do olho, vejo alguns alunos se aproximarem, e me afasto discretamente para meu lugar, mas não antes de soltar um sorriso nervoso, porque estou surpresa demais para falar. Elogios são tão raros na minha vida. As pessoas que os fazem, geralmente são meus filhos e agora a Bruna e o Fernando.

O Silêncio da AlmaOnde histórias criam vida. Descubra agora