CAPÍTULO SEIS

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Dias atuais:

— Vamos Helena, estamos atrasadas.

Chamo enquanto arrumo a torta de camarão na bandeja que comprei especialmente para a ocasião. Hoje é o dia que acontecerá o bazar que a Igreja organizou para juntar fundos para a compra de agasalhos para a instituição Donos do Amanhã, uma casa que acolhe crianças que vem para a cidade fazer tratamento contra o câncer.

Cada membro, contribuiu com alguma coisa, e como cozinhar é minha terapia, resolvi fazer minha famosa torta de camarão com catupiry. Realizaremos sorteios de objetos comprados por alguns membros, barraca de jogos para as crianças e venda de alimentos. Tudo em prol das crianças. Helena se comprometeu em ficar em uma das barracas de jogos, e eu ficarei na barraca de alimentos.

— Pronto, mãe. Podemos ir.

Ergo os olhos e meu coração se aperta de emoção em ver minha filha de apenas 13 anos, vestida como uma palhacinha linda, sem se importar se isso é um mico, ou não.

— Você está linda, amor.

Ela faz uma careta engraçada e diz:

— Mãe, não viaja. Linda é tudo que não estou, mas é por uma boa causa — e sorrindo acrescenta — Tenho certeza que a primeira coisa a se esgotar no bazar hoje, vai ser essa torta maravilhosa.

— Deus te ouça — murmuro pegando a embalagem e saindo da cozinha seguida de perto por Helena, que manda uma mensagem pelo celular.

— A Mila vai conosco, tá? — ela avisa.

Assinto e pego a chave do carro que praticamente não uso. Não gosto de dirigir, na verdade, não me arrisco em pegar o carro quando o Pedro está em casa. Ele é muito cuidadoso e tenho pavor de arranhar seu precioso carro. Nosso carro, me corrijo.

— Vamos de carro? — indaga Helena surpresa.

— Vamos — respondo tentando soar segura.

— Demorô mamis!

Sorrio e vou para a garagem guardar nossas coisas. Por sobre o ombro, digo:

 --- Feche a casa, vou tirar o carro da garagem.

Ela assente e eu saio.

Ao destravar o carro, lembro de como eu gostava de dirigir. Era tão libertador. Até o dia que me envolvi em um pequeno acidente de trânsito, que não causou nenhum dano físico, apenas um para-choque arranhado. Mas que me marcou profundamente. Um estremecimento me acomete, quando lembro do que aconteceu naquela noite.

Estava casada há dois anos. O Pedro já tinha sido engajado no exército, e vivíamos uma vida relativamente confortável. Morávamos em um pequeno apartamento, presente dos pais dele. Eu tinha finalmente conseguido entrar na Universidade, e estava radiante por ter conseguido — mesmo ele me dizendo que eu não precisaria me preocupar com isso — mas eu sempre quis estudar. Então, estava saindo da aula do curso de administração de empresa, quando levei uma fechada no trânsito. A princípio fiquei em pânico, mas quando saí do carro, suspirei aliviada. Ninguém tinha se machucado, e o outro carro praticamente não sofreu dano algum. Já o nosso, ficou com um pequeno rombo no para-choque. Mesmo sabendo que o Pedro ficaria aborrecido, não me preocupei em avisá-lo do ocorrido e segui para casa tranquila.

A noite, depois que terminei o jantar, estava no banho quando a porta do banheiro foi aberta de supetão e com violência. O Pedro completamente transtornado, ainda vestindo o uniforme do exército, entrou no banheiro e gritando muito, me empurrou com violência contra a parede do banheiro. Muito confusa, atordoada, e apavorada, não conseguia entender o que ele dizia. Seus gritos enfurecidos, eram apenas ecos distantes. Só quando ele me ergueu do chão pelo cabelo molhado, me exigindo explicação pelo que tinha acontecido com o carro, e me olhou com um fúria que nunca tinha visto, que eu percebi que tinha casado com alguém que tinha um lado obscuro e violento. Um medo que antes não existia, passou a fazer parte dos meus dias. Passei a evitar fazer coisas que pudesse aborrecê-lo. Não queria mais ver aquele olhar no rosto daquele que sempre foi meu príncipe encantado. De lá para cá, evitei ao máximo dirigir. E só o fiz, nas pouquíssimas vezes em que não tive opção.

O Silêncio da AlmaOnde histórias criam vida. Descubra agora