Dias atuais:
— Mãe, acorda.
Uma mão me sacode. É o Júnior. Meu filho mais velho. Ele tem quinze anos e quer ser jogador de vôlei. Uma alma realmente pura e encantadora. Não conheço pessoa mais gentil que ele.
Sem pôr a cabeça para fora das cobertas, respondo:
— Estou acordada.
— Eu tô de saída. — fico em silêncio. Ouço seu suspiro cansado e a pergunta para qual não tenho resposta.
— Cê tá bem?
— Sim, estou — respondo ainda sem mostrar o rosto — estou com uma enxaqueca terrível e a claridade do sol está me incomodando — minto.
Outro longo suspiro e sinto o colchão afundar ao meu lado. Gentilmente ele puxa o lençol e tento a todo custo esconder meu rosto do seu olhar atento.
— Mãezinha — ele sussurra e tem tanto pesar nessa única palavra que meu coração se contrai de dor e vergonha. E se estilhaça em centenas de pedaços.
Engulo o choro e murmuro.
— Você vai se atrasar, filho.
— Como você permite que isso aconteça? Como? Porque não o denuncia? — outro suspiro — Sinto tanta raiva de não poder fazer nada...tanta...
Sento imediatamente, esquecida do estado lastimável que meu rosto deve estar.
Os olhos dele se apertam quando me olha e eu me arrependo imediatamente de me mostrar sem a proteção de camadas e camadas de maquiagem.
— Meu Deus, mãe...
— Eu tropecei quando estava subindo a escada — minto mesmo sabendo que é inútil.
— Mãe...
— Estou bem, juro — ergo a mão e afago a lateral do seu rosto — Não é o que você está pensando, filho.
Ele fica de pé. Abre e fecha as mãos grandes demais para aquele braço ainda em formação. Sei que está nervoso e com muita raiva. Seu rosto é um livro aberto, sempre foi.
— Eu não entendo ...eu realmente não entendo o que te leva a aguentar isso ... — diz apontando para meu rosto.
— Não fale isso. Não aconteceu nada. Eu tropecei na escada. Você está delirando!
— Delirando?!
— Sim.
— E essas manchas roxas nos seus braços? Essas marcas de dedos? Foi o tropeção também? Por favor mãezinha, você precisa dar um basta nisso.
— Júnior, você está vendo coisas onde não existe. Eu cai da escada. Não aconteceu nada.
Ele fecha os olhos por alguns segundos e quando abre, vejo a desilusão estampada no seu rosto. E, apesar da dor física que estou sentindo, ver essa expressão no rosto do meu filho, me desestrutura muito mais do que todos os chutes e socos que levei na noite passada. Tento ficar impassível, não quero que ele perceba o que estou sentindo e como me sinto tão absurdamente covarde.
— Você vai se atrasar — murmuro.
Ele assente, estende o braço e toca com a ponta do dedo a lateral do meu lábio cortado. Seus olhos endurecem por alguns segundos, então ele inspira fundo, pega a mochila que só agora notei aos pés da cama, e sai sem dizer uma única palavra.
Quando a porta do quarto se fecha, deixo vir à tona toda a vergonha e humilhação que estou sentindo.
Quando foi que me tornei essa mulher?
A resposta vem rápido: quando deixei de me amar e acreditei que amar alguém mais do que a mim mesma, era o suficiente para me preencher.
Aquela garota de dezoito anos que casou apaixonada foi soterrada por anos de omissão e vergonha.

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O Silêncio da Alma
Roman d'amourAtenção, este livro está disponível em e-book pela Amazon e em formato físico, no site da autora. O livro será postado aqui até a sua conclusão, e após a postagem do último capítulo, ficará disponível por 3 dias. completo, e após só para degust...