CAPÍTULO DOIS

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Dias atuais:

— Mãe, acorda.

Uma mão me sacode. É o Júnior. Meu filho mais velho. Ele tem quinze anos e quer ser jogador de vôlei. Uma alma realmente pura e encantadora. Não conheço pessoa mais gentil que ele.

Sem pôr a cabeça para fora das cobertas, respondo:

— Estou acordada.

— Eu tô de saída. — fico em silêncio. Ouço seu suspiro cansado e a pergunta para qual não tenho resposta.

— Cê tá bem?

— Sim, estou — respondo ainda sem mostrar o rosto — estou com uma enxaqueca terrível e a claridade do sol está me incomodando — minto.

Outro longo suspiro e sinto o colchão afundar ao meu lado. Gentilmente ele puxa o lençol e tento a todo custo esconder meu rosto do seu olhar atento.

— Mãezinha — ele sussurra e tem tanto pesar nessa única palavra que meu coração se contrai de dor e vergonha. E se estilhaça em centenas de pedaços.

Engulo o choro e murmuro.

— Você vai se atrasar, filho.

— Como você permite que isso aconteça? Como? Porque não o denuncia? — outro suspiro — Sinto tanta raiva de não poder fazer nada...tanta...

Sento imediatamente, esquecida do estado lastimável que meu rosto deve estar.

Os olhos dele se apertam quando me olha e eu me arrependo imediatamente de me mostrar sem a proteção de camadas e camadas de maquiagem.

— Meu Deus, mãe...

— Eu tropecei quando estava subindo a escada — minto mesmo sabendo que é inútil.

— Mãe...

— Estou bem, juro — ergo a mão e afago a lateral do seu rosto — Não é o que você está pensando, filho.

Ele fica de pé. Abre e fecha as mãos grandes demais para aquele braço ainda em formação. Sei que está nervoso e com muita raiva. Seu rosto é um livro aberto, sempre foi.

— Eu não entendo ...eu realmente não entendo o que te leva a aguentar isso ... — diz apontando para meu rosto.

— Não fale isso. Não aconteceu nada. Eu tropecei na escada. Você está delirando!

— Delirando?!

— Sim.

— E essas manchas roxas nos seus braços? Essas marcas de dedos? Foi o tropeção também? Por favor mãezinha, você precisa dar um basta nisso.

— Júnior, você está vendo coisas onde não existe. Eu cai da escada. Não aconteceu nada.

Ele fecha os olhos por alguns segundos e quando abre, vejo a desilusão estampada no seu rosto. E, apesar da dor física que estou sentindo, ver essa expressão no rosto do meu filho, me desestrutura muito mais do que todos os chutes e socos que levei na noite passada. Tento ficar impassível, não quero que ele perceba o que estou sentindo e como me sinto tão absurdamente covarde.

— Você vai se atrasar — murmuro.

Ele assente, estende o braço e toca com a ponta do dedo a lateral do meu lábio cortado. Seus olhos endurecem por alguns segundos, então ele inspira fundo, pega a mochila que só agora notei aos pés da cama, e sai sem dizer uma única palavra.

Quando a porta do quarto se fecha, deixo vir à tona toda a vergonha e humilhação que estou sentindo.

Quando foi que me tornei essa mulher?

A resposta vem rápido: quando deixei de me amar e acreditei que amar alguém mais do que a mim mesma, era o suficiente para me preencher.

Aquela garota de dezoito anos que casou apaixonada foi soterrada por anos de omissão e vergonha. 

O Silêncio da AlmaOnde histórias criam vida. Descubra agora