Capítulo 30

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O silêncio na cozinha do restaurante é algo realmente raro, então aproveito para usufruir dele e tento desesperadamente me concentrar no longo dia de trabalho que terei pela frente.

Cheguei mais cedo que o habitual, porque simplesmente não consegui ficar em casa quando as crianças saíram para a escola. Já adiantei o prato do dia — um risoto de frutos do mar — e no momento tento decorar os minibolos floresta negra com a cobertura especial de chantilly. Já fiz mais dois tipos de sobremesa desde que cheguei, sinal claro do meu pico de ansiedade.

Concentrada, não ouço os passos atrás de mim e levo um grande susto quando ouço meu nome ser chamado. Tremendo e com o bolinho arruinado, viro-me com a mão no peito e os olhos assustados.

— Ei, calma! Sou eu! — Bruna larga a bolsa na bancada e se aproxima me olhando atentamente.

— Que susto!

— Eu chamei, mas você não ouviu.

Assinto e pego o próximo bolinho para a decoração.

Não ergo os olhos para olhar para a Bruna, mas sei que seus olhos atentos estão observando tudo que já fiz antes das dez da manhã.

— Nina... o que houve?

Dou de ombros, e respondo sem olhar diretamente para ela:

— Nada, acordei cedo e vim adiantar as coisas.

Ela cruza os braços em frente ao peito e continua me encarando até me forçar a me erguer e encará-la.

— Não dormi bem. Tive pesadelos.

Ela ergue uma sobrancelha e sei que ela não vai sossegar enquanto eu não terminar.

Solto um suspiro e fecho os olhos por alguns segundos. Então, resolvo contar parte da verdade a ela.

— Encontrei o Pedro ontem... ele estava no jogo do Júnior.

— O que ele fez?

Dou de ombros e tento não encará-la.

Se ela souber que ele me fez ameaças, vai exigir que eu o denuncie. E não quero fazer isso novamente. Apesar de tudo, quero acreditar que o Pedro está no meu passado, e que suas palavras ontem foram apenas fruto de um momento de descontrole. Ele sabe o risco que corre se chegar perto de mim.

— Nada de mais. Fiquei nervosa com a aproximação e tive pesadelos à noite.

Começo a limpar a sujeira da bancada, evitando a todo custo encará-la. Mas é a Bruna, e ela simplesmente não desiste. É difícil omitir as coisas dela.

— Nina, por que você está mentindo pra mim?

Ainda sem olhar diretamente para ela, tento me concentrar em arrumar as sobremesas nas bandejas. E tento parecer distraída.

— Do que você está falando? — indago.

Ela solta um longo suspiro. Um suspiro que diz muito. Diz que ela sabe de muita coisa, e que não concorda com a minha postura. Já esperava isso dela, na verdade, até me preparei.

— A Helena me mandou uma mensagem hoje cedo. Me contou que ontem, após o jogo, você passou uma eternidade presa no banheiro e só saiu de lá quando ele foi embora. Contou também que hoje você acordou ainda durante a madrugada, e cozinhou feito uma louca. Ela ainda disse que não sabe o que aconteceu, mas sabe que você ficou aterrorizada durante todo o jogo. — Ela inspira fundo e se aproxima de mim. — Minha irmã, eu espero que você saiba que o Pedro é um psicopata e que ele nunca vai aceitar a separação de vocês. E psicopatas não sentem culpa. Na verdade, não sentem nada. Então, por favor, me conta o que rolou ontem.

O Silêncio da AlmaOnde histórias criam vida. Descubra agora