CAPÍTULO TRÊS

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 Segunda, 13 de Outubro de 1995.

. Estou nervosa como nunca estive. Me olho pela milésima vez no pequeno espelho do banheiro. Meu rosto está mais corado que o normal, e sei que a culpa é da crise de ansiedade que estou sentindo.

— Estamos atrasadas, Nina! Anda!

Minha irmã grita do lado de dentro do nosso quarto.

— Estou indo. Só um segundo!

— Estou saindo. Não demora ou vai ter que arranjar carona. Papai tá uma pilha hoje.

Reviro os olhos. Grande novidade. Quando ele não está uma pilha?

Nosso pai é um típico homem de meia idade estressado e inconformado com o que a vida fez com ele. Trabalha em uma empresa de seguros, e odeia o que faz. Diz que a vida dele teria sido muito diferente se não tivesse se apaixonado por minha mãe. Foi seu amor por ela, que o fez desistir da carreira na marinha. Então, praticamente todos os dias, assistimos a guerra de palavras entre eles. Do café da manhã à hora do jantar. Mas, apesar das inúmeras acusações, é nítido o amor que sentem um pelo outro. É estranho perceber, que o amor entre duas pessoas, nem sempre é suficiente para a felicidade delas. Muitas e muitas vezes, vejo no olhar da minha mãe sua infelicidade. É como se ela tivesse se conformado com o que a vida lhe reservou, mas apesar desse conformismo, vez ou outra vejo no seu olhar quando ela está distraída cozinhando ou limpando a casa, a vontade que tem de ser livre de todas as suas responsabilidades. Acho que se ela entrasse em uma máquina do tempo, e tivesse a opção de refazer sua vida, ela não teria casado com meu pai — seu primeiro e único namorado —apesar de saber que ela o ama. Só que não é um amor como nos livros de romances. O amor deles não tem nada de romântico ou impetuoso, é mais parecido com o amor entre irmãos ou algo assim. As vezes tento imaginá-los como os jovens apaixonados que já devem ter sido algum dia, mas simplesmente, não consigo.

— Anda Nina! — grita do corredor.

Inspiro fundo, pego a mochila que está no corredor e saio de casa com o coração aos pulos. As imagens da noite de sábado voltando como um tornado furioso que bagunça tudo por onde passa.

Foi inacreditável o que aconteceu comigo. Eu dei o meu primeiro beijo no cara mais lindo da escola. E se só isso, não fosse completamente surreal, ele ainda passou o resto da festa me abraçando e me tocando com carinho como se fossemos namorados. Ele foi tão absurdamente gentil e atencioso, que durante toda a noite eu esperei que algo ruim acontecesse para me provar que era uma pegadinha. Mas nada aconteceu. Ficamos realmente juntos durante toda a festa, e agora não tenho a mínima ideia de como vai ser reencontrá-lo na escola à luz do dia.

— Desmancha essa cara de idiota, Nina — sussurra a chata da Bruna.

— Do que você está falando?

Ela revira os olhos e bufa de forma muito deselegante.

Entramos no carro em silêncio. Papai está com a cara de poucos amigos, mas se vira quando entramos e resmunga para nós duas:

— Vou chegar atrasado por culpa de vocês.

— Desculpa — respondemos em uníssono.

Durante todo o trajeto até a escola, um silencio pesado impera dentro do carro. É tão estranho quando nos sentimos desconfortáveis perto de pessoas que amamos e que nos ama. O clima dentro da minha família é sempre assim: tenso e silencioso, e isso, sinceramente é terrível. Não conversamos sobre absolutamente nada. Nem as bobagens que geralmente adolescentes conversam, nem coisas mais sérias. Nada. Dentro de casa, é só silencio e troca de farpas. Sinto como se uma nuvem negra tivesse se alojado em cima do telhado da minha casa, e todos nós, esperássemos ela desabar a qualquer momento.

O Silêncio da AlmaOnde histórias criam vida. Descubra agora