CAPÍTULO VINTE E TRÊS

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Sete meses depois.

— Vamos mãe! Estamos atrasadas! — grita a Helena da porta do carro já aberta.

Apressada, pego a minha bolsa e a embalagem com a torta de maçã que fiz para a Bruna.

— Você bem que poderia me ajudar aqui, não é? — resmungo enquanto tento equilibrar a embalagem da torta e fechar a porta da nossa casa.

— A Tia Bruna vai ficar irada com o seu atraso.

Ela diz com um sorriso enquanto se apressa para me ajudar a guardar as coisas no banco de trás do carro.

— Quando ela sentir o cheiro dessa belezinha aqui, sua raiva vai passar — retruco sorrindo e me acomodando no banco do motorista.

— Mas ela está te esperando já tem quase uma hora. Mandou mensagem dizendo para que eu apressasse você, porque o decorador que ela descolou não tem a eternidade toda para te aguardar.

— Sua tia é muito exagerada — falo dando partida e saindo para a rua quase deserta devido o frio intenso.

— Mãe, é seu restaurante que vai ser inaugurado! Não fica nem um pouco tensa? Parece que nada te abala! Caraca, não sei como você consegue ser tão zen.

Olho para minha filha que está ansiosíssima e sorrio.

Sete meses apenas da minha separação e tantas mudanças.

Sai da minha casa com a Bruna naquele fatídico dia, e fomos direto para a delegacia da mulher. O Fernando ficou esperando o Coronel, pai do Pedro. Lembro que entrei na delegacia, completamente devastada por tudo que tinha acontecido, e o medo tentava a todo momento me sobrepujar. Mas a Bruna ao meu lado, e a lembrança do Pedro desmaiado depois de levar uma surra do Fernando, me deram a coragem que eu precisava.

A delegada, uma jovem mulher muito bonita e elegante, me ouviu atentamente. Contei a ela tudo que aconteceu nos últimos dezoito anos. Da primeira agressão, à última.

Ela me ouviu com calma e gentileza. Interrompi meu relato inúmeras vezes para chorar, ou para me recuperar.

Foram quase três horas de um depoimento dificílimo de fazer. Relembrar situações de humilhação e submissão, foram bem pior do que relembrar as surras que sofri. Muitos pensam que a dor física, é a pior coisa que pode acontecer a uma mulher que sofre agressão doméstica, mas ao relatar a delegada muitas das coisas que o Pedro me obrigou a fazer, ou me disse — me diminuindo, me humilhando — e o pior, me fazendo acreditar que eu merecia aquilo, foi muito mais difícil do que relatar os socos, murros e puxões de cabelo.

Quando concluí meu relato, fui encaminhada a outro setor para fazer o exame de corpo e delito. Foi tão absurdamente constrangedor, que pensei seriamente em desistir.

Fiquei nua com a perita, que me fez perguntas constrangedoras, mas segundo ela, necessárias.

O Pedro foi indiciado pela Lei Maria da Penha e como era militar, ficou detido alguns dias no quartel, até ser posto em liberdade por um Habeas Corpus.

Uma medida de segurança foi expedida, e agora ele está proibido de se aproximar de mim.

Passei quarenta dias morando com a Bruna e o Fernando. Eu e as crianças, até ele deixar a casa definitivamente. Nunca vou poder agradecer o suficiente a eles por todo apoio, amor e carinho com que nos receberam. Meus pais foram contra meu divórcio, afirmaram que brigas de casais são comuns, e que eu estava sendo dramática e exagerada. Ainda lembro como doeu em mim, ouvi-los defender o Pedro. Assim, só contei com a Bruna e o Fernando durante todo o processo.

O Silêncio da AlmaOnde histórias criam vida. Descubra agora