CAPÍTULO NOVE

83 9 3
                                    


Março de 2005

Finalmente consigo me olhar no espelho. Já faz mais de um mês desde o casamento da Bruna. Um mês que tento desesperadamente apagar da minha cabeça aquela noite terrível.

As marcas agora estão praticamente invisíveis. Ninguém jamais diria que fui espancada violentamente pelo meu marido.

Depois daquela noite, ele se consumiu pela culpa e vergonha, e tornou-se o Pedro com quem me casei. Atencioso e amoroso. Mas, apesar da mudança brusca no seu comportamento jamais conseguirei apagar definitivamente da minha cabeça o que aconteceu, sei que jamais esquecerei. Mas ele tem tentado.

Falta um mês para o aniversário do Júnior, e apesar de estar muito desanimada com tudo que passei, decidimos comemorar com uma festinha simples. No entanto, não poderei convidar minha irmã. A situação que já era complicada entre ela e o Pedro, agora tornou-se insustentável. Ela me ligou muitas e muitas vezes quando voltou de viagem. Queria me encontrar, mas não aceitei. Primeiro porque a Bruna jamais poderia ver as marcas daquela noite terrível escritas dolorosamente no meu corpo, segundo porque não estou disposta a arruinar a frágil paz que se estabeleceu entre mim e o Pedro. Ele está tão carinhoso comigo, que tem dias que não o reconheço.

Despois da fatídica noite, ameacei abandoná-lo. Criei coragem e disse que não viveria com alguém capaz de tamanha atrocidade e violência. Acho que alguma coisa na minha expressão o convenceu que eu não estava brincando. E foi aí que tudo mudou.

Do homem indiferente ele transformou-se novamente em um marido amoroso e um pai cuidadoso. Me enche de mimos e surpresas durante todo o tempo em que está em casa e eu finalmente voltei a acreditar que tudo que aconteceu não passou de um gigantesco mal entendido, fruto de um rompante de irracionalidade.

O telefone toca insistentemente. Atendo e meu coração começa a bater acelerado quando ouço a voz da Bruna do outro lado da linha.

— Nina, finalmente!

— Oi Bruna — respondo enrolando o fio do telefone nervosamente no dedo. Amo minha irmã, mas não quero pôr em risco a frágil paz que se estabeleceu aqui em casa.

— Poxa, estava tão preocupada com você Nina! — reclama — Porque não tem atendido meus telefonemas? Está tudo bem?

Está tudo bem?

Sua pergunta simples me afeta profundamente. Não, não está tudo bem, mas eu preciso desesperadamente que tudo fique bem, penso enquanto tento arranjar uma boa desculpa para convencer a Bruna a não me procurar. Ela é diferente da mamãe. A nossa mãe tenta não se envolver em nada. É alguém absolutamente neutra e indiferente. É fácil convencê-la a não nos visitar quando ela ensaia vir, ou fugir de um convite para visita-la. É como se ela não fizesse muita questão da minha presença, e sinto as vezes um alivio que seja assim. Já a Bruna definitivamente não é alguém fácil de enganar. Ela sempre me tratou como uma filha mais nova, apesar da nossa pouca diferença de idade. E eu sei, que seus questionamentos, são frutos do grande amor que ela sente por mim. Só que neste momento da minha vida, preciso que ela se mantenha afastada, então decido ser absolutamente sincera com ela.

Inspirando fundo, respondo:

— Sim, estou bem. E você? Como foi a viagem?

— Foi maravilhosa! — responde e me conta rapidamente como foi passar alguns dias em Gramado com seu amor. Quando seu relato acaba, ela começa a fazer as perguntas que eu tinha certeza absoluta que faria:

— Nina, você não mentiria para mim, não é? — indaga.

Fico em silêncio por alguns segundos, e respondo:

— Eu estou bem Bruna, mas tenho algo para te falar, e preciso que você me entenda e respeite minha decisão — começo.

Ela fica em silêncio por alguns segundos que parecem horas, então responde:

— Ok Nina. Pode falar.

Solto um longo suspiro e me preparo para afastar da minha vida, a única pessoa que sempre se preocupou comigo. Minha melhor amiga na adolescência, minha única irmã.

— Você sabe como o Pedro se sente em relação a você, não sabe? — resolvo ir direto ao ponto. Com a Bruna, este é sempre o melhor caminho.

— Sei — ela murmura.

— Bruna, estou atravessando uma fase muito delicada do meu casamento — começo — e eu preciso que você entenda, que provocar o Pedro, só vai me causar mais problemas.

— Provocá-lo? Do que cê tá falando Nina?

Solto um suspiro e falo de uma vez:

— Ele não gosta de você, como você não gosta dele. Então, para evitar problemas com vocês que são as duas pessoas que mais amo no mundo, gostaria de te pedir para não me procurar mais.

— O que??!

— Eu preciso ter paz na minha vida Bruna, e isso não vai acontecer tendo que ficar sempre entre vocês dois. Eu preciso que você entenda, que neste momento, precisamos nos manter afastadas.

O silêncio do outro lado da linha me dá uma pista do quanto à estou magoando. Mas não vejo outra saída. Preciso estabilizar minha relação com meu marido, e a presença da minha irmã, só vai atrapalhar o processo, penso com um grande peso no coração.

— Bruna... — chamo baixinho.

Ela inspira fundo antes de responder.

— Eu sempre desejei que você fosse muito feliz, Nina... — começa — Durante anos, eu quis desesperadamente te proteger de tudo e de todos. Você sempre foi uma criança indefesa e uma adolescente tímida. E eu jurei a mim mesma que compensaria o descaso dos nossos pais, te protegendo. — a voz dela está embargada, e as lágrimas começam a escorrer pelo meu rosto — Mas você cresceu... agora é uma mulher adulta e mãe. Não posso mais lutar as suas batalhas por você...no máximo eu poderia lutar com você... — outro silêncio e então ela continua — Mas se o que você precisa para ter paz e ser feliz é a minha ausência... eu vou aceitar e me afastar.

— Bru... — tento falar, mas ela impede.

— Eu só quero que saiba Nina, que eu sempre estarei aqui. Sempre. Não importa o tempo e a distância, eu sempre estarei aqui para você... — ouço um soluço e meu coração se contrai de dor, então ela conclui — E quero que você me prometa que se um dia... se um dia você precisar de alguém... a qualquer hora, em qualquer situação...você vai me chamar... Eu amo muito você. Amo tanto que vou te deixar livre da minha presença para que eu não seja, mesmo que indiretamente, a responsável por sua infelicidade.

Choro baixinho e ouço o choro dela também. Repito para mim mesma, que eu preciso tentar ser feliz. Por mim, por meu filho e até pela Bruna. E minha felicidade depende da harmonia dentro da minha casa. E essa paz, não será possível com a Bruna por perto. Não depois do que aconteceu. Talvez nunca mais.

Nos despedimos baixinho e desligamos ao mesmo tempo.

Olho para minha casa agora silenciosa, e me dou conta que mais uma vez, calei minha alma para ser feliz.

Mas, será que alguém pode ser feliz no silêncio do seu ser?

O Silêncio da AlmaOnde histórias criam vida. Descubra agora