CAPÍTULO UM

247 17 1
                                    


Sexta, 10 de Outubro de 1995

Impossível não notar seu olhar. Seus olhos me seguem o tempo todo. Nossa, como ele está lindo, constato.

Seus cabelos de um castanho claro, estão bem aparados na nuca e a parte da frente bem maior, fica caindo em cima dos olhos castanhos que agora me acompanham o tempo todo. Ele é mais velho que eu, este é seu último ano do Colégio. As meninas comentaram que ele não vai conseguir concluir o ano, pois foi recrutado para servir no exército. Só de imaginar esse gato vestido com o uniforme militar, sinto um arrepio pelo corpo. Ele vai ficar perfeito — imagino sonhadora.

Estamos na festa à fantasia da escola. O evento é organizado todos os anos, pelos alunos concluintes para arrecadar fundos para a formatura.

Todo o colégio está presente. As meninas com suas minissaias curtíssimas e com suas bocas pintadas de batom vermelho tentam chamar a atenção. Não importa a fantasia, todas seguem o mesmo padrão de mostrar o máximo que puder.

Olho com desgosto para minha túnica sem graça.

Estou fantasiada de Afrodite, segundo minha irmã mais velha. Ela é apaixonada por história e todos os anos escolhe as deusas que vamos representar. Meu cabelo cor de palha, está trançado para o lado, e uso uma tiara com folhas minúsculas que foram trançadas com habilidade por ela. Afinal, toda deusa que se prese, tem uma coroa de folhas, segundo a Bruna.

Com exceção dos meus braços magros, nada está de fora. A túnica desce como um camisolão até meus tornozelos, e as sandálias de couro rasteiras, deixam meu traje ainda mais sem graça. Mesmo assim, ele me observa e me segue desde que entrei no salão acompanhado pela Mia e pela Ruth, minhas melhores amigas. Minha irmã, como organizadora da festa, veio mais cedo, e ainda não deu as caras aqui onde estou.

Estou cursando a segunda série do Ensino Médio, e tenho apenas dezesseis anos. Sou considerada pela minha turma a mascote bebê. Aquela que estuda demais e está sempre pronta para ajudar todo mundo. Mas isso não me incomoda. Minha timidez e a falta de habilidade social, formaram a fama de uma CDF esquisitona. Acho que sou a única aluna do ensino médio que não namora. O que ninguém sabe, é que tenho uma queda por ele. O gato mais cobiçado do colégio, e que desde que cheguei me observa sem parar.

Fixo os olhos no copo de ponche que tenho nas mãos. Não sei do isso é feito, mas tem uma cor bonita — rosa — e alguns pedaços de maçã flutuando. Preciso me mexer. Estou parada feito um poste desde que cheguei. É como se tivesse criado raízes, mas simplesmente não tenho coragem de passear de camisolão pelo salão lotado de meninas seminuas. É constrangedor demais ser a pária. Distraída com meus pensamentos, não noto sua aproximação e quando vejo um par de coturnos pretos, pararem ao meu lado, fico paralisada de tensão. Sem conseguir evitar, subo o olhar pelo par de pernas longas e musculosas para o padrão dos meninos de dezessete anos. Sei muito bem de quem são essas pernas. Meus olhos continuam subindo, sem pressa. Um peito largo e não tão musculoso, um queixo perfeito com um furinho no meio que deixa esse cara mais lindo ainda e então finalmente meus olhos passam bela boca que sorri suavemente, pelo nariz um pouco torto, para parar nos olhos castanhos mais incríveis que já vi. Nunca tinha chegado tão perto dele, e agora percebo que sua íris tem uns fios dourados entrançados com o castanho quase verde. Lindo. Me contenho para não soltar um suspiro ridiculamente apaixonado.

— Oi — ele me cumprimenta e eu fico meio tonta. Ele está realmente falando comigo, penso aturdida. Tentando me controlar para não sair correndo, aperto o copo plástico nas mãos tremulas e respondo com voz rouca:

— Oi

— Bonito vestido — ele diz apontando para minha roupa ridícula com a cabeça. Por um segundo, chego a pensar que vai cair um balde de piche na minha cabeça, como naqueles filmes terríveis. Será uma pegadinha da turma?

— Obrigada — balbucio — bonito uniforme.

Ele sorri abertamente e uau...que lindo que ele é, meu Deus.

— Quero me acostumar desde já com o que me aguarda.

Assinto, porque todos os pensamentos escaparam da minha cabeça e não sei o que dizer.

— Então, Marina não é?

Assinto novamente. Meu Deus, preciso me controlar para não ficar de boca aberta. Ele deve achar que além de me vestir como uma fugitiva do manicômio, sou retardada.

— Sou o Pedro — ele estende a mão e eu olho para a mão dele com um misto de alegria e tensão.

— Nina — respondo e aperto sua mão que segura a minha com firmeza.

— Prefiro Marina

Dou de ombros e sorrio.

— Minha mãe também.

— Mulher inteligente.

— Sim, ela é.

Então ele solta minha mão e olhando para o salão que agora está lotado por adolescentes enlouquecidos por hormônios malucos e descontrolados que gritam e pulam ao som de uma música horrível, ele diz:

— Quer dar uma volta?

Mais uma vez a sensação de estar participando de uma piada geral, me assola. Será?

Ergo os olhos e encaro os dele que estão... ansiosos?

Será? Penso novamente. Então, decido correr o risco e assinto.

Ele sorri novamente e mais uma vez meu coração dá uma cambalhota dentro do meu peito. O Pedro, o cara mais cobiçado da escola está com a mão em minhas costas enquanto me acompanha para fora do salão lotado. Por onde passamos todos os rostos se viram para nos observar. Tento enxergar nós dois pela ótica dos outros e sinto vontade de sorrir. Não existe na face da terra, algo mais improvável. Ele gato, musculoso e cobiçado e eu baixinha, magrela e tímida como uma porta.

A voz da minha avó Maria chega de mansinho e sussurra:

O que é nosso, é nosso. Aprenda querida, o mundo não da voltas. Da piruetas.

Ela tem razão. O meu mundo acabou de dar uma virada de 180º. É louco, mas acompanho o Pedro com a certeza que essa noite será inesquecível.

O Silêncio da AlmaOnde histórias criam vida. Descubra agora