CAPÍTULO ONZE

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Meus dias que antes eram uma monotonia, de repente tornou-se algo vivo e instigante. Pela primeira na vida, me sinto verdadeiramente útil e produtiva, e isso tem me transformado em uma mulher que jamais pensei que poderia ser.

Deixo a Helena na escola e olho o relógio. Estou atrasada para o curso de culinária que estou fazendo. Não consigo nem mesmo mesurar a alegria que estas aulas tem trazido para meus dias. De repente, vejo todas as possibilidades que podem se abrir para meu futuro, e isso tem me apavorado e fascinado numa mistura de sentimentos que vem me transformando dia a dia em uma nova mulher.

Pego a via que dá acesso a Oficina de cozinha onde o curso está sendo ministrado, e em alguns minutos, estaciono. Algumas pessoas ainda conversam na entrada e solto o ar aliviada por constatar que não estou atrasada.

Assim que me aproximo, sou saudada com entusiasmo pelos meus colegas de turma. Pessoas de idades bem variadas, que estão aqui porque são apaixonadas por uma única coisa: cozinhar.

É incrível como as afinidade une as pessoas. Ultimamente tenho pensado muito nisso. No poder que tem a afinidade e o quão transformadora ela é nas relações pessoais.

— Marina, sabia que hoje o chef escolherá um de nós para preparar um prato para a próxima aula?

Encaro o Igor, um homem com cerca de vinte e cinco anos, apaixonado por cozinha como eu.

— Sério? Espero que não seja eu – respondo com um sorriso.

Ele cruza os braços fortes e tatuados em frente ao peito e me encara com um sorriso divertido.

— Ué, eu adoraria que fosse você — diz.

— Nem brinca Igor! Quando o Chef me olha com aquele olhar tipo: "eu sei o que vocês fizeram no verão passado" chego a tremer nas bases — falo sorrindo.

A gargalhada dele é espalhafatosa como sua personalidade. Então, ele se aproxima e num gesto comum, faz algo que ninguém fazia há anos, e que já aconteceu duas vezes na última semana: põe a mão sobre os meus ombros enquanto me empurra gentilmente para entrarmos no ateliê. Fico tensa e olho para os lados em um gesto automático, então me lembro que o Pedro está longe e relaxo o corpo. Se ele percebe que fiquei paralisada momentaneamente ele não demonstra, continua conversando animadamente como se fossemos amigos de década.

Uma alegria momentânea toma conta de todo o meu ser, por me sentir normal como não me sentia há anos.

— Ah Marina, esta sua cara de intelectual deve esconder talentos magníficos na cozinha. Você que não me engana!

Entramos na Oficina, onde uma cozinha industrial incrível que foi montada em um gigantesco espaço preparado especialmente para cursos de gastronomia, e eventos culinários nos aguarda. Os alunos, se posicionam nas proximidades e aguardam o início da aula entre conversas animadas.

Olho ao redor e me sinto tão absurdamente feliz que meus olhos enchem-se de lágrimas. Como posso ter aberto mão de tantos pequenos prazeres durante uma vida inteira? Como deixei que minha vida tomasse um rumo tão vazio e desolador?

Olhando para trás, para tudo que passei até aqui, pensando nas inúmeras cidades em que já morei, e nas tantas oportunidades desperdiçadas, tomo uma importante decisão: nunca mais permitirei que alguém assuma o comando da minha vida.

Sei que quando o Pedro voltar, teremos que acertar muitas coisas que ele não concordará, mas agora sinto-me fortalecida ao ponto de lutar pelas minhas escolhas e não apenas acatar sua opinião como verdade absoluta.

O Silêncio da AlmaOnde histórias criam vida. Descubra agora