Caminhos

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Era, possivelmente, a última pausa do grupo até a chegada em Ergônia. Haviam preparado uma fogueira para esquentar os alimentos que Eadwine havia trazido em meio aos seus pertences. Maysha já se encontrava melhor, o mal que ela carregava estava sob controle. Akio, por sua vez, comia pouco, sabia que era o que menos necessitava de comida por ali, cedendo a vez para os jovens. Mohses também se alimentava bem, muito mais pela insistência do jovem médico. Não enfrentava mais tanta resistência do tamuraniano e da bárbara.

— Eu quero agradecer por... — Mohses faz uma breve pausa.— Por não me matarem. Eu acho.

Silêncio.

— Er... Tudo bem, Mohses — era Eadwine, sempre com seu sorriso inocente no rosto.

— Mas eu preciso dizer.

— Se tiver algo a dizer, que seja sobre a mulher que mandou você, ou sobre o arqueiro que nos atacou há alguns dias — disse Akio, cortante como a lâmina de sua katana.

— Eu já disse, senhor — disse o prisioneiro, sobrancelhas pesadas.— Só me lembro da tortura. Só em lembro da morte. A morte de todas as formas. Leen.

— Tsetseg levou os Nassib a isso. Eu não posso acreditar — era Maysha, incrédula.

Mohses tentou. Tudo o que vinha a sua mente, as torturas, as mortes, as profanações humanas em seu grau mais sórdido e todas as malignidades que aquele povo fez, ele se lembrava e falava e se abalava. Entretanto, quando precisava se concentrar em falar sobre Tsetseg ou sobre o arqueiro ou sobre a missão, ele não conseguia. Sobre seu passado, menos ainda, e isso o consumia.

Era tarde da noite. Tenebra banhava a todos com a escuridão, as estrelas e a lua. Mohses e Eadwine já haviam caído no sono. Yamazaki Akio havia pensado estar sozinho naquela vigília. Pensava estar.

— Se quiser dormir — disse Maysha.

— Mesmo que eu quisesse — Akio estava pensativo.— Não estou conseguindo.

Era a primeira vez que o tamuraniano havia dado uma brecha para a continuação de uma conversa que não fosse uma discussão. A bárbara entendeu e resolveu deixar isso fluir.

— O que aflige você, Yamazaki Akio?

— Eu vim a esse Reino atrás de respostas. Eu queria me livrar, dar fim ao sofrimento. E o que eu encontrei não foi isso. Os deuses falam comigo num lugar que os nega. Onde era para haver silêncio deles, há sua voz parecendo sussurrar em meus ouvidos.

Maysha tentava entender. Ele voltava a falar dos deuses como quem acreditasse novamente, também falava de forma firme, decidida, ríspida, mas havia angústia em sua palavras. Tal como o tigre em sua visão, um animal forte e feroz, que não perdia sua imponência, mas se via em desespero pelas chamas que se tornavam cada vez maiores.

— Você gostaria de não lembrar do seu passado, Akio?— perguntou ela.

— Mohses. Eadwine. Você. Todos são mistérios para mim— disse ele, como quem estivesse mudando de foco, de assunto.

O tamuraniano se levantou. Afastou-se a passos lentos. Maysha sabia que dificilmente teria aquele tipo de diálogo novamente, sabia que precisava continuá-lo, mas também sabia que de uma maneira mais difícil ainda ela conseguiria terminar qualquer conversa daquele jeito, sem que ambos estivessem explodido um com o outro, e ela sabia que, a qualquer momento, ela poderia perder o controle. Preferiu deixá-lo sozinho. A jovem se virou, lembrou de bons dias em que treinava com seu mestre e em dias que estava em momentos felizes com sua família. Fechou os olhos. Dormiu.

Akio estava sentindo a brisa gelada daquela noite. Aquele clima fazia com que ele lembrasse de sua missão, onde tudo começou a mudar. Onde pensou que encontraria realização, onde encontraria sua paz futuramente. Não eram lembranças boas de se ter. Não eram coisas que ele gostaria de lembrar. Mas era o que ele tinha para lembrar. E assim se perdeu em suas memórias.

Tormenta: A Maldição do Imortal [EM REVISÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora