Tsetseg (Parte I)

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Antes.

Tsetseg vagava sem rumo. O olhar estava perdido, não possuía um horizonte. Em sua mente, as faces das vítimas que vira num atentado medonho, feito de pura carnificina e loucura. Há poucos dias, tinha ao seu lado seus amigos, ainda vivos — Hazel e Alana. Abandonou-os. Não porque lhes eram más companhias, mas porque ela mesma o era naquele momento. Sua cabeça vinha se embaralhando em confusões, resultado de diversas lembranças e vivências, coisas que ela tinha certeza, atitudes que ela defendia, verdades que ela mesma se negava, mentiras que pareciam tão factíveis. Enquanto em seu rumo sem foco, trouxe para si, quase que de forma palpável, as memórias que carregava...

(*****)

Era manhã. Os nassib carregavam um mal humor de raiz. Acordavam assim, findavam o dia da mesma forma. Esse era um povo que demonstrava o rancor em cada gesto seu, fosse plantando ou caçando, não superavam o sentimento de ódio que tinham pelos oreore, e a predileção da Mãe Águia por eles. Tsetseg era diferente. A jovem menina não suportava tudo aquilo. O fato de ter de lidar com todos aqueles olhares, os tratamentos, o ódio, tudo era demasiadamente excessivo, e para ela, massante.

A menina gostava de brincar e aproveitar o dia com os animais na floresta, aproveitar as frutas, viver em comunhão com a mata. Sorria muito mais do que qualquer nassib pensava em fazer, possivelmente, em toda vida.  

Por esses motivos, saiu para se embrenhar na mata. Bichos e árvores eram seus melhores amigos. Fazia isso, de sorrir e brincar, escondida dos pais. Contudo, naquela manhã, seu pai a encontrou se divertindo com alguns animais.

— O que está fazendo? — indagou-a.

— Estou... — quis hesitar. — Eu estou aqui com meus amigos.

— Amigos? Continua com essa ideia idiota, garota? — Falava num tom autoritário.

— Idiota? — ela relutou. — Naquela aldeia ninguém é feliz, papai. Não há alegria por lá. As pessoas apenas manifestam seu ódio pelos oreore. Não vivem mais nada a não ser odiar aquele povo. Nem mais os meus irmãos eu tenho.

Ela levou um tapa bem forte no rosto, o que fez garota, de uns dez anos, cair no chão.

— Tola! — Franziu o cenho. — O mundo é ódio! Pensa que esse mundo é bonito? Pensa que é agradável? Que tudo é as mil maravilhas? Estamos condenados a viver nessa merda de lugar, sendo manipulados pelos deuses, e já te disse isso. Viver a vida como você pensa ou quer, é se enganar, pois uma hora, a vida vai te dar uma surra tão bem dada que vai te fazer acordar, mostrando o quão terrível ela é. E eu faria mais filhos novamente, mesmo sabendo que os perderia, só pra poder lutar contra os malditos oreore.

A pequena Tsetseg negou. Os olhos se encheram de lágrimas ao so ver seu pai falando daquela forma, e ainda tocando na morte de seus irmãos. Sua negativa, entretanto,  fez com que seu bruto e truculento pai a puxasse pelos cabelos. Ela gritou, mas sabia que nada adiantaria. Seria arrastada mais uma vez para o núcleo da vila, apanharia, seria mandada para seus afazeres diários e massantes de mulher, e caso repetisse as mesmas palavras e atos novamente, todo esse ciclo se repetiria. 

Não dessa vez.

Ela relutou, aos prantos. A força de seu pai não permitia que aquele momento se aliviasse, mas mesmo assim, ela continuava.

— Não vou mais! — repetia ela, sem conseguir terminar seu raciocínio.

— Você não tem querer. Ou é isso, ou é a morte.

Tsetseg começou a bradar, gritar, fazer sons estranhos. Em meio aquela difícil situação, uma silhueta surgiu em meio à mata — era um jovem garoto, um pouco mais velho que Tsetseg. Tinha um pequeno arco e flecha nas mãos.

Tormenta: A Maldição do Imortal [EM REVISÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora