Capítulo 29

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Dormi bem na noite passada, mas acordei de uma forma nada confortável.

A princípio o sono me deixou alheia aos impactos que eu levava na cabeça. Mas quando tudo começou a ficar nítido para mim, pude entender qual era a situação ali.

Os fios do meu cabelo estão emborolados, duros e gosmentos. Um verdadeiro ninho se formou em cima da minha cabeça. Estou total e completamente até os ombros coberta numa mistura de gemas e cascas de ovos, farinha, pó de café e mais alguns ingredientes camuflados nisso tudo; impossíveis de serem reconhecidos por ora.

Levanto apenas o tronco, me mantendo sentada. E com os olhos fechados, por medo de que algo os afete, eu só consigo decifrar o autor através da sua gargalhada. Convivi anos demais com ela para saber a quem pertence.

— MATHIAS!

Eu não obtenho qualquer resposta de volta, somente risadas.

Escrego as pálpebras. Minhas mãos ficam grudentas conforme as passo pelo rosto e olhos numa tentativa de limpá-los.

Com os olhos um pouco abertos, o suficiente para enexergar, vejo Mathias segurando alguns pacotes vazios. Todos despejados em mim.

— Qual o seu problema, garoto? — jogo um punhado de farinha que consegui juntar na palma da mão em sua direção.

Ele desvia.

— Bom dia e feliz aniversário, maninha. — diz abrindo os braços, demonstrando uma animação que não tenho.

— Não poderia esperar eu acordar para isso?

— A graça está justamente no fato de acordá-la... assim. — gesticula com as mãos em minha direção.

— Você sabe o sacrifício que é para tirar isso tudo do cabelo? — puxo o que deveria ser chamada de macha e aproveito para cheirá-la.

— Sei, mas ouvi dizer que faz bem.

— O que você jogou em mim? — ignoro suas palavras.

— Farinha, pó de café, ovos, canela, orégano... — a cada item dito ele contava nos dedos. Chegou a passar do limite das duas mãos. Tive que mandá-lo calar a boca.

— A mamãe sabe sobre essa bagunça?

— Creio que tem certa noção.

— Eu não vou limpar isso. — aviso, apontando para a sujeira em cima da minha cama. Me levanto e faço questão de sacudir a cabeça, levando um pouco do que tenho nela ao chão.

Uma coceira irritante começa no meu couro cabeludo. Vou atrás de um bom banho, o qual usufruo por bastante tempo para tirar aquele cheiro.

Eu não esperava acordar dessa forma. As ovadas e os demais acompanhantes geralmente vinham quando estava consciente; em qualquer hora do dia, mas comigo acordada. Já recebi ao chegar do colégio, durante alguma das três refeições, antes de dormir, em público durante um passeio, até mesmo já deixei de entrar na escola porque fiquei toda suja. Mas ser desperta, primeiro ano. E isso chega a ser uma situação chata, porque eu deveria estar dormindo até a hora de ir trabalhar — as aulas foram suspensas por ocorrência de uma reunião entre os professores.

Houve ano em que mamãe e papai me acordaram com um pequeno bolo em mãos enquanto cantavam o trecho da música "Parabéns Pra Você", igualmente ao que acontece em filmes. Só que diferente do que acontece neles, a aniversariante, no caso eu, não acorda feliz e assopra a velinha, eu simplesmente joguei um travesseiro às cegas sobre eles e quando notei o bolinho tinha ido parar no queixo e roupa da minha mãe, que ficou somente com o prato do doce em mãos.

Um Amor Fraterno (Entrará em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora