Capítulo 45

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Sempre apreciei o silêncio. Calmo e tranquilo. Para pensar, ler, refletir...

Mas esse que se estende entre nós, me desconforta, aflinge.

Eu já estava começando a ficar impaciente.

  - Bom... Eu não sei nem como começar. - minha mãe lamenta, encarando o chão.

  - Pelo o começo, por favor. - mesmo sendo uma petição, minha voz demonstra uma exigência.

Ela solta um suspiro pesaso. Ela me encara profundamente.

  - Dois anos do Math nascer eu fiquei grávida novamente. - começa. Seus olhos perdendo o foco de mim, parecendo ter se encaminhado a uma viagem no tempo. - Foi uma notícia maravilhosa. Eu e seu pai ficamos tão felizes em saber, gratos, porque era nosso sonho ter dois filhos.

Isso é um baque para mim. Durante a minha vida toda, até aqui, eu achava ter sido a sua segunda gravidez, a criança que veio de seu ventre. Mas não, agora sabendo que nunca fui um fruto legítimo dos dois, saber que ela engravidou de alguém que não fui eu é uma notícia e tanto.

  - Era uma menina. - ela volta a falar, puxando minha atenção. - Nasceu forte e saudável. Era bem elétrica mesmo com meses de idade. - abaixa o olhar, fungando. Então percebo lágrimas escorrendo por suas bochechas. - Não vou esconder que ela foi a alegria dessa casa, assim como seu irmão que bagunçava muito. Ainda mais quando se juntavam. - sorri, mas tal alegria não alcança seus olhos.

  - O que aconteceu com ela? - eu quero saber. Sua tristeza é tão sólida, que me preocupa e me deixa curiosa.

Meu pai se aproxima e afaga seu ombrom, num gesto de conforto e incentivo. Vejo que ele também se lamenta por algo. Só não sei pelo quê.

Ela tenta secar o rosto, mas é inútil.

  - Na época eu travalhava, numa lojinha de roupas que já fechou há um tempinho. Seu pai também estava fora. Então deixei as crianças com uma vizinha da antiga casa. Ela cuidava deles pra mim e eu dava um agrado em todo final de semana por isso.

Desde que tenho consciência das coisas, eu nunca a vi tendo um emprego - exceto agora que ela tem um trabalho autônomo.

  - Eu tinha acabado de atender uma cliente quando a minha colega que ficava no balcão avisou que tinha uma ligação urgente para mim. Isso já me alertou, porque nunca haviam ligado para o meu serviço atrás de mim. - ela segura firmemente minhas mãos, e eu retribui, porque meu peito se aperta ao vê-la assim. Ela funga. - Quando atendi era a Caren, a vizinha. Ela chorava tanto que chegava a soluçar e não conseguia completar uma frase. Eu não entendia metade do que dizia, só pedia que ela se acalmasse e falasse devagar, porque aquilo estava me deixando nervosa. - soltou minhas mãos para gesticular e também impedir que mais lágrimas descessem. - Então quando ela voltou a falar, ainda atropelando as palavras, e o que eu consegui entender foi o bastante para me levar à beira do abismo e ao desespero.

  - Que palavras? - minha voz sai por um fio, me levando a crer que se ela não estivesse ao meu lado nem teria escutado.

Minha pergunta parece atingi-la em cheio, porque logo assim ela desaba, escondendo o rosto entre as mãos, me permitindo ver somente seu corpo trêmulo e ouvir seus soluços.

Vejo Mathias se colocar de joelhos em sua frente, preocupado, em busca de tentar consola-la quando começa a sussurrar para ela palavras que eu não consigo ouvir. E também vejo meu pai encostar os lábios na lateral de sua cabeça com os olhos fechados.

Ambos compartilhando de uma mesma dor. Uma dor que eu chego a suspeitar o motivo. Uma dor que tem a ver com a garotinha.

  - E-ela morreu, foi a única frase que escutei. A única frase que invadiu minha mente e me atingiu de uma forma devastadora. - voltou a falar, com a voz embargada. - Houve outras, mas essa foi o suficiente para me fazer largar tudo no trabalho, pegar um ônibus e ir pra casa o mais rápido que eu pude. E quando cheguei, da esquina já era possível ver a ambulância e uma multidão de curiosos. Mas eu só conseguia enxergar o pequeno corpinho dela deitado no chão, pálido e sem vida. Tentaram reanimá-la, mas já era tarde. O carro a pegou de jeito e... - não consegue terminar.

Um Amor Fraterno (Entrará em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora