Não deu tempo de contar para Mathew tudo que tinha acontecido, com certeza ele riria da minha cara e daria mais um de seus sermões enormes sobre como a vida é curta e não devemos parar de vivê-la para chorar por um idiota. Pensando bem, como eu queria ouvir isso agora. Ele é um ótimo amigo. E eu provavelmente não estaria chorando se ele estivesse aqui agora.
Ando pela rodoviária atrás de alguém que me emprestasse um carregador e quem sabe um pouco de dignidade, mas só consegui um carregador.
Uma senhora com cabelos ruivos e curtos havia me emprestado, ela tinha um jeito maternal e protetor que me fez sentir bem diante da merda em que estava.
-Por que está chorando tanto, moça? - ela pergunta delicadamente.
-Porque eu tomo decisões erradas as vezes - esse "as vezes" soou como uma grande mentira na minha cabeça.
-Todos nós tomamos, mas precisamos aprender a lidar com as consequências, entende? - Ela me oferece biscoitos de polvilho e eu aceito, estava morrendo de fome - Pode parecer errado no começo, mas o destino é tão responsável que coloca tudo no seu devido lugar, tudo isso tinha de acontecer jovem, confie em mim.
Ela sorri para mim, e eu retribuo. Senti paz por um minuto inteiro, tudo parecia estar bem, mas seu ônibus chega e ela precisa partir, aquela sensação de abandono volta e com ela todas as lembranças dessa madrugada terrível também.
Ligo o celular, 20%. Era o suficiente para avisar minha mãe que passaria por lá.
Com meia hora de atraso o maldito ônibus chega, eu estava completamente exausta, entrei e me joguei na poltrona que parecia a mais confortável do mundo se comparada ao banco de cimento em que esperei por horas. Durmo imediatamente.
Depois de algumas horas de viagem, acordo e vejo na janela uma chuva forte que fazia muito barulho ao se chocar contra o ônibus, ainda estava começando a amanhecer e a cor do céu era o fundo perfeito para os pingos de chuva que refletiam no farol dos carros.
Leio "(5) chamadas perdida de Noah" na tela do celular, apago imediatamente e tento fingir que nunca vi aquele aviso, seria melhor assim. Ainda não consigo acreditar que ele teve coragem de me ligar depois de todas as palavras horríveis que ele jogou na minha cara. Ignoro completamente, apesar de algumas vezes ter uma vontade imensa de ligar e mandá-lo se foder, seu cheiro ainda está no moletom cinza que peguei emprestado, pensei em devolve-lo, mas decido que é melhor não fazer nada. Já foram decisões erradas demais em menos de 24 horas.
O sol brilha em Geórgia, finalmente chegamos, quer dizer, cheguei. Ligo para Katharinna e digo que vou tomar café em sua casa, ela se espanta.
-Como assim? O que veio fazer aqui? E sua vida em NY?
-É só um café, mãe. Não vou voltar a morar com você. - falo irritada com a reação dela.
-Ufa, você me deu um susto - ela ri ironicamente.
Se eu conseguisse que ela pagasse minha passagem antes do café nem o tomaria.
Andando pela vizinhança me deparo com algumas mudanças, mesmo estando longe por pouco tempo aquele lugar parecia menos familiar, mudou muito, ou talvez eu que tenha mudado.
Entro em casa e da sala era possível sentir o cheiro dos bolinhos, quando vou para a cozinha vejo minha mãe, estava com um vestido florido e o cabelo amarrado no alto de sua cabeça, ela parecia mais jovem e feliz do que a última vez que a vi.
-CARLOS, CRI ESTÁ AQUI NA COZINHA - ela grita para meu pai que desce as escadas imediatamente.
-Como você está bonita filha!- ele me abraça carinhosamente.
Katharinna me deu apenas um beijo na bochecha e se virou com indiferença trazendo a forma com bolinhos até a mesa, ela não era uma das pessoas mais sentimentais do mundo.
-Está de folga hoje filha? - ela pergunta sentando-se à mesa.
-Sim - menti.
-Qual o motivo dessa visita tão inesperada? Está precisando de alguma coisa?
-Na verdade sim, preciso de uma passagem de volta para casa.
-Mas já? Nem tivemos tempo de colocar o papo em dia. Me diz como é a vida de uma doutora?
-Eu só quero uma passagem - dou uma risada sem graça para disfarçar.
Ela se cansa de tentar entender o que estava acontecendo e me dá 300 dólares, acho que seria o suficiente.
Fico até a hora do almoço conversando com eles, pergunto de Andrew, meu irmão, e eles dizem que ele virá em breve visitá-los, revejo algumas fotos, cumprimento meus antigos vizinhos e pego uma de minhas roupas antigas para me trocar. Coloquei uma calça jeans escura e uma blusa preta simples. Jogo o moletom de Noah e um pote com alguns bolinhos em uma pequena mochila e peço uma carona pro meu pai até o aeroporto que era pertinho de lá.
-Qualquer coisa pode me ligar filha, não gosto de te ver triste assim. Promete pra mim que vai ficar bem?
-Prometo - forço um sorriso.
Desço do carro e entro no aeroporto, daria quase duas horas de voo então aviso Mat para ir me buscar por volta das 15 horas, compro fones de ouvido em uma das lojas e pouco tempo depois é hora de embarcar. O destino é a vida real, da qual estava tentando fugir.
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Aprendendo a dançar na chuva
RomanceCaren Miller é uma jovem que ao chegar em Nova Iorque para começar a nova carreira entra em uma jornada para descobrir mais sobre seus próprios medos, dúvidas e o amor, em meio a decepções e triângulos amorosos. A vida é uma grande oscilação entre m...