Acordei algumas horas depois no sofá, um pouco tonta mas sóbria, ainda era de tarde mas eu sentia que havia perdido o dia inteiro, me senti inútil, e a dor de cabeça aumentava de acordo com a minha memória que retornava aos poucos. O meu reencontro com Mathew, aquele pub chique, ainda tinha que comprar o colchão, e é claro o carro que eu deveria buscar.
Peço um táxi e apesar de não ser tão longe assim do meu apartamento ainda era uma caminhada que eu queria evitar já que os analgésicos ainda não tinham feito efeito. Discretamente ando na ponta dos pés naquela rua barulhenta e cheia, porque por algum motivo tinha a impressão que todos se lembrariam da louca do pub, inclusive Mat, e que por acaso ele estivesse esperando eu voltar... coisas da minha cabeça, que doía e remoía aquela maldita frase "estava com saudades".
"estava com saudades, estava com saudades, estava com saudades"
Droga! Não conseguia parar de pensar nisso, porque eu também estava. Mas não havia nada que a gente pudesse fazer, o destino quis assim, não fomos feitos para ficarmos juntos mesmo que cada célula do nosso corpo gritasse o contrário.
Prendo a respiração e corro até o meu carro, por sorte ninguém havia me visto e um grande alívio veio quando consegui dar ré e sair despercebida.
(Alguns dias depois)
Chego do trabalho e vejo a típica cena de uma quarta-feira como todas as outras quintas, terças e sextas, como todos os dias a rotina era a mesma, Rick com um avental ridículo fazendo outra "surpresa" que já havia deixado de ser surpresa há muito tempo, surpreendente mesmo seria eu chegar e ele não ter invadido meu apartamento para fazer o jantar "surpresa" dele.
—Olha só quem chegou! — ele fala com um entusiasmo ensaiado que já era familiar aos meus ouvidos —Fiz macarrão com molho branco, está uma delícia.
Ótimo, mas um prato com massa que Rick acrescentava ao meu corpinho que já tinha engordado 2 quilos desde que nos conhecemos.
Comemos e falamos sobre as mesmas coisas de sempre, até eu sentar no sofá e tirar do canal de culinária que ele assistia 24h por dia se fosse possível e coloco no primeiro canal que apareceu, era um filme, uma comédia romântica. Lembro que há alguns anos atrás eu amava assistir aquilo, os clichês, o casal se beijando em um elevador com medo de serem pegos. É tudo tão jovem, tão impulsivo, eu sentia falta disso. Rick lava a louça e se senta na poltrona sem as pantufas, que deixa a mostra a meia brega que calçava. Não sairia de lá por horas e era isso que me deixava triste. A inércia, a falta de movimento, de impulso, de algo a mais.
—Caren? — ele pergunta ao me ver distraída com a tv — o que está acontecendo?
—n-nada, por que perguntou isso? — gaguejo
—Sei lá, você está um pouco... distante.
Não consigo tirar os olhos daquela meia horrível, Rick era um cara legal e ele queria me ver bem mas aquele tédio estava me matando.
—Ri, eu queria sair sabe, viajar pra algum lugar legal, sair um pouco desse apartamento — tento soar sutil e amigável quando na verdade queria gritar essas palavras
—Mas amor, estamos no meio da semana, e eu preciso trabalhar amanhã — ele fala em um tom insuportavelmente calmo.
Não respondo mais nada e volto a prestar atenção no filme.
—Vamos ao shopping no fim de semana? — ele interrompe o silêncio.
Shopping e bosques cheios de crianças correndo atrás de bolas eram os únicos lugares os quais íamos, Rick era caseiro e estar em lugares onde não tinha uma imensa poltrona deixava-o desconfortável.
—Richard, eu não quero mais ir no shopping com você, eu quero ir pra outro lugar, um que seja diferente, longe da mesmisse, longe de VOCÊ — me assusto com as palavras que foram imprudentemente vomitadas por mim, e me arrependi de dizê-las segundos depois.
Ele me olha assustado.
—Eu já sentia isso... a gente sempre sabe, só não quer admitir. Sabe Caren, eu gosto muto de você e nunca fui tão feliz como quando estou com você — os olhos dele começam a lacrimejar — mas o seu repouso já acabou né, você não precisa de alguém para fazer biscoitos quando você não conseguia levantar da cama, porque agora você já consegue.
—Não é isso, Rick, por favor me desculpa — tento consertar o que disse mas acabei parecendo mais culpada ainda.
Fiquei com pena de Rick, ele não tinha culpa, mas infelizmente foi só um momento, uma carência momentânea, eu só não tinha coragem de dizer isso, e essa falta de coragem foi me fazendo relevar todos os fins de semana que ficamos na sala assistindo reality shows, eu sentia falta de Lauren que via de vez em nunca, do Liam, da Jenny, do Noah e a esposa dele, do pequeno Henry que já devia estar tão crescido e de Mat... Queria a vida que eu tinha antes do acidente, mesmo que no caos e nas brigas que me tiravam o sono eu ainda me sentia viva, eu sentia raiva que era completamente substituída por algo que não sei explicar quando Mathew me mandava mensagem. Quero dizer que mesmo que minha vida fosse imperfeita eu ainda sentia algumas coisas, não era anestesiada como agora, eu chorava mas ria com a mesma intensidade. Agora só estava cansada desse sorriso patético que carregava no rosto enquanto minha vida era tão bonitinha, porém monótona.
Decidimos naquela noite, depois de alguns choros soluçantes e diálogos doídos que era hora de terminar, Rick pegou suas coisas nas minhas gavetas e mesmo que tudo que sentisse fosse verdadeiro ele sabia que eu não estava feliz. Saiu pela porta lentamente e me deu um beijo molhado na bochecha.
— Se cuida — ele tenta sorrir ainda com os olhos vermelhos
Me encosto na janela e vejo Rick abaixo saindo pelo portão, meio sem rumo, me sinto mal, porém com um grande peso tirado das costas, sento na minha nova cama, grande e macia que comprei, normalmente eu deitaria às 22h e ouviria Rick roncar pelo resto da noite, mas hoje... ah hoje seria diferente.
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Aprendendo a dançar na chuva
RomanceCaren Miller é uma jovem que ao chegar em Nova Iorque para começar a nova carreira entra em uma jornada para descobrir mais sobre seus próprios medos, dúvidas e o amor, em meio a decepções e triângulos amorosos. A vida é uma grande oscilação entre m...