O suco de maracujá

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Estou sonhando com algodão doce. Uma quantidade exorbitante da guloseima. Estou flutuando sobre nuvens de algodão doce de todas as cores e tamanhos.

Com um largo sorriso e a gula estampada no olhar, tento a todo custo agarrar um pedaço de qualquer uma daquelas nuvens suculentas, mas minhas mãos simplesmente não as alcançam.

Depois de um tempo e de algumas tentativas frustradas, finalmente consigo impulsionar o meu corpo na direção de uma das nuvens. Mas, quando as pontas dos meus dedos começam a sentir a maciez tentadora do algodão doce e minha boca começa a salivar, já sentindo o seu sabor, uma voz familiar e carregada de petulância invade a minha mente:

— Vocês, midgardianos, babam enquanto dormem.

Abro os meus olhos imediatamente, a tempo de ouvir o tal Loki, ou seja lá quem ele for, completar a frase:

— Isso é tão... Deprimente.

Fico algum tempo olhando para ele. O cosplay maluco e suicida está em pé, diante do sofá onde estou deitada, sua postura está mais ereta do que nunca, seus braços cruzados atrás do corpo e seus olhos me percorrem minuciosamente. Não com interesse, desejo, muito menos com luxúria, mas sim com desprezo. Como se olhar para mim fosse um grande incômodo para ele.

Sim, como diria meu amado Pica Pau, isso já está virando um círculo vicioso...

Quando aquele maluco vai parar de me olhar com todo aquele ar de superioridade? Será que ele não percebe que isso não é muito educado da sua parte? Será que ele pensa que é um deus inatingível ou algo assim e eu uma reles mortal? Tudo bem, eu sou uma reles mortal, mas ele não é um deus. Que saco!

Mas, uma coisa eu não posso negar. Ele tinha razão quando disse que eu estava babando enquanto dormia. Ainda sinto um pouco de saliva escorrendo pelo canto da minha boca, quando me sento rapidamente e enxugo a boca com a manga do meu pijama, constrangida e sentindo o meu rosto enrubescer. Aproveito para me cobrir mais um pouco com o lençól, numa tentativa de me proteger daquele olhar petulante que tanto me incomoda.

Muito bem, vocês devem estar se perguntando o que o tal Loki está fazendo na sala do meu apartamento? Bem, digamos que eu não consegui colocar em prática o que tinha em mente quando lhe ofereci uma carona na noite passada.

Eu queria deixá-lo no primeiro hospital ou na primeira delegacia que encontrasse pelo caminho. Mas, apesar de ter passado por alguns daqueles lugares no percurso até o prédio onde moro, eu simplesmente não consegui fazer nada disso. Por três motivos. Primeiro porque eu não ia saber como explicar para os médicos ou para a polícia a forma maluca como aquele cosplay surgiu no meu caminho. Segundo porque eu tive medo de qual seria a sua reação quando percebesse o que eu planejava. E terceiro porque... Bem, me chamem de doida, mas o tal Loki me intriga. De alguma forma, eu sinto que já o vi antes, em algum lugar, em outro momento, só não sei onde ou quando.

Portanto, mesmo sabendo que eu estava me arriscando, eu o convidei para ir até ali, com o pretexto de que assim nós poderíamos conversar melhor e eu poderia encontrar uma forma de ajudá-lo a voltar para o lugar que ele afirmava existir: Asgard.

Claro que eu só estava tentando ganhar tempo. Na verdade, minha intenção era dar um sonífero da minha avó para ele, já que tenho alguns remédios dela no meu armário, e assim, quando ele apagasse, eu pensaria no que fazer exatamente.

Mas, com base na enxaqueca horrível e desconcertante que estou sentindo neste exato momento, deduzo que aquele maluco deve ter trocado o meu copo de suco pelo dele, porque quem acabou apagando fui eu.

Só então percebo como fiquei vulnerável. Eu dormi, profundamente, no sofá da sala, enquanto um estranho, potencialmente perigoso, tinha total liberdade para fazer qualquer coisa ali. Ou comigo.

Trapaças do DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora