Sorria e acene

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Como se não bastasse ter passado a manhã inteira ouvindo Olivia — a midgardiana desprezível e mais insuportável deste Reino — me dando sermões entediantes, como se fosse a dona da verdade, ordenando que eu executasse certas tarefas, como ajudar uma midgardiana caquética a atravessar a rua, e ainda por cima declarando, a cada segundo, o seu amor platônico pelo soldadinho fora do seu tempo — conhecido por aqui como o ilustre Capitão América e com quem eu já tive o desprazer de lutar certa vez — agora ela quer me arrastar para perto do seu amigo midgardiano igualmente desprezível? E quer que eu minta para ele? Para ajudá-la?

Mentir... Mentir... Mentir... Um alerta se acende dentro de mim, quando penso melhor no que Olivia insinuou que eu fizesse. Mentir.

Estamos a poucos metros da mesa do seu amigo — que continua distraído e com a cabeça baixa, enquanto toma uma bebida quente que desconheço — quando me dou conta de algo muito importante, que esta criatura insuportável, abusada e loira ao meu lado parece ter esquecido completamente.

Então, antes que Olivia estrague tudo, eu paro no meio da calçada, me desvencilho da sua mão e seguro em seu braço com força, a obrigando a deter o passo e se voltar em minha direção.

Tal gesto parece deixá-la surpresa e confusa, fazendo-a me encarar por longos instantes de um jeito questionador e com um brilho... Intenso no olhar.

Ultimamente, Olivia tem me olhado muito com este tal brilho. E uma parte de mim, não sei por que, gosta e quer corresponder.

Ao me dar conta de que o seu olhar me deixa um tanto confuso também, e incomodado com a nossa súbita proximidade, eu solto o seu braço e me recomponho rapidamente. Em seguida, resolvo que não vou perder mais nem um minuto do meu precioso tempo e começo de uma vez:

— Deixe-me ver se eu entendi. Você quer que eu minta para o seu amigo?

Percebendo que tal ideia não me agrada, Olivia arqueia as sobrancelhas de um jeito desafiador, que eu detesto, e rebate com um sarcasmo que me irrita profundamente:

— Qual é o problema? Por acaso você nunca fez isso antes, chuchu? Mentir? Eu pensei que fosse uma das suas especialidades.

Procuro manter a calma, embora a minha vontade seja de... Seja de...

Na verdade, eu não sei ao certo o que tenho vontade de fazer com Olivia Mills, mas, por um instante, imagino como seria bom se eu pudesse congelá-la com os meus poderes, até ela ficar incapacitada de falar e completamente roxa. Azulada seria melhor. Combinaria mais com o tom dos seus olhos.

Sorrio malignamente ao imaginar tal cena, mas, tentando manter o foco da conversa, indico o bracelete em meu braço — que por algum motivo, pode ser visto por esta midgardiana, mas não pelos outros seres do seu Reino — e esclareço:

Este é o problema. — ela me fita e tenho a impressão de que não entendeu aonde eu quero chegar. Sendo assim, retomo: — Você se lembra da mensagem da minha... — hesito ao ser atormentado por certas lembranças e por uma culpa que me consome até um nível insuportável. Olivia me encara intrigada e, incomodado com a ideia de que ela me veja como um ser fraco como ela, prossigo rapidamente e do jeito mais frio que consigo: — Da mensagem de Frigga, certo? Se eu mentir para algum midgardiano desprezível, poderei ser reconhecido por ele.

Olivia morde o lábio inferior e percebo pelo seu olhar que ela, finalmente, entendeu o que eu quero dizer. Ainda bem. Às vezes, o seu cérebro limitado me irrita profundamente. Aliás, não há nada nesta criatura que não me irrite. Parece que ela tem o dom de me desestabilizar das mais diferentes formas. Algumas nem eu mesmo entendo.

Trapaças do DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora