Rolf estava morto. Lothar chorou sobre seu corpo por quase duas horas, sentindo um vazio inexplicável em si pela morte daquele que era praticamente um irmão. A fada — aprendera o nome daquela raça alada no dia anterior — explicou que toda a energia vital do companheiro desaparecera, que apesar de estar curado de seus ferimentos e doenças invisíveis, não havia nele vontade para lutar por uma vida melhor.
Era como se uma vida livre fosse demais para Rolf suportar. Como se a escravidão, a chibata e a comida podre fossem a única coisa que sua mente conseguisse compreender. Lothar tentava entender, mas não conseguia. O amigo sobrevivera a anos de exploração, de sofrimento, para morrer no momento em que aquela oportunidade surgira diante deles. Para ele, não havia consolo, apenas aquela dor, aquele vazio insaciável.
Quando o curandeiro chegou na cabana, ordenando que o corpo fosse levado dali, ele chorou ainda mais. O feérico explicou que Rolf receberia um enterro com todas as honras e que ele mesmo poderia supervisionar todo o processo para garantir que os deuses certos recebessem o amigo no pós-morte. Mas Lothar não sabia qual deus deveria ser honrado. O Deus de seu povo, ou os deuses élficos para quem ele aprendera a orar? Ou os deuses daquele povo da floresta?
A dúvida em seu olhar devia ser clara, pois o curandeiro deu-lhe um tapa no ombro e garantiu que os ritos seriam em homenagem a todos os deuses e a nenhum deles, então. Aparentemente, eles tinham um ritual para aquilo, uma cerimônia ecumênica que pedia a todas as deidades que recebessem aquele indivíduo de braços abertos. Quase catatônico, com lágrimas escorrendo por seu rosto como um rio irrefreável, o homem conseguiu apenas encarar o nada, sem oferecer uma resposta.
O dia seguinte àquilo amanhecera com sons estranhos e gritos ecoando por toda a floresta. Uma invasão, alguém gritara. Rapidamente, o lugar ficara vazio e um exército marchara para longe. Sem saber o que fazer, Lothar apenas caminhou silenciosamente por entre as árvores, tomando cuidado apenas para não se perder em meio à densa vegetação.
Algumas horas de caminhada errática, ele acabou esbarrando com aquele lugar a que todos se referiam como a Gruta. Uma caverna enfiada numa pequena elevação rochosa no centro da Floresta. Apesar de não possuir qualquer dom mágico, Lothar podia jurar que sentia a energia pesada que emanava do salão escuro onde ele e as bruxas foram recebidos no dia em que chegaram.
A Matriarca, aquela bruxa velha e estranha, conversava com uma ou duas de suas subordinadas do lado de dentro, sem prestar atenção ao humano que caminhava lenta e silenciosamente. Sem saber exatamente o porquê, ele se manteve fora do campo de visão, tentando não chamar atenção. Não tinha motivos para se esconder, fora bem recebido e todas aquelas criaturas foram amigáveis e hospitaleiras, mas parecia-lhe que interromper os assuntos das bruxas era errado, de alguma forma.
Caminhando para trás, sem prestar atenção nos seus arredores, com os olhos sempre voltados à entrada da Gruta, Lothar não percebeu que ia de encontro a outra figura que, por sua vez, estava de costas para a caverna e não o viu. Os dois trombaram e a bruxa se virou em sua direção, sacando uma adaga instintivamente.
Levaram alguns segundos até que ela percebesse que ele não era ameaça e tirasse a faca de seu pescoço. Dreika, era o nome dela. A bruxa que ajudara Asmin e Dust a resgatá-lo. As memórias daquele dia ainda o faziam tremer, como se seu corpo ainda não acreditasse que a liberdade era real, achasse que tudo aquilo era uma invenção de sua mente e que logo ele acordaria ainda sob a chibata dos elfos.
Sacudindo a cabeça, tentando afastar aqueles pensamentos, Lothar encarou a bolsa que a bruxa levava às costas. Ela percebeu o olhar e retribuiu, endireitando as costas e prendendo a faca em seu cinto.
— Aqui não é meu lugar. — Falou, simplesmente. — Asmin pode se acostumar com a vida na Floresta, lutar as guerras com essas pessoas, mas eu não.
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Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)
FantasíaFura Coração, é uma história de fantasia e magia, ambientada num mundo onde os aristocráticos e escravocratas elfos buscam "limpar" o mundo de todas as raças que consideram impuras e inferiores. Chamando a si mesmos de Filhos dos Deuses, essa raça t...