LXXXIX. Problemas

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Lyssa caminhava sozinha da Árvore até a Gruta, desejando pela milésima vez em sua curta vida que as asas começassem logo a funcionar da maneira apropriada.

Queria conversar com Alick, descobrir o que a bruxa parecia querer dizer. Ainda sentia rancor por ter sido enganada, por ela não ter contado o real motivo de seu recrutamento, mas o que realmente incomodava seu coração agora era a tarefa que Estella lhe passara.

Mal dormira na noite anterior, pensando em como faria para descobrir o paradeiro do livro. Se estivesse, de fato, nos aposentos da Matriarca — como imaginava que estaria —, a tarefa da fada de tirar o artefato da Gruta seria quase impossível. Lyssa só podia rezar para que aquilo não terminasse numa verdadeira guerra entre as duas partes aliadas.

A fada respirou fundo, olhando nos arredores, tentando esquecer por um momento tudo que se passava em sua mente. Fora do caminho das criaturas que corriam de um lado para o outro com suas tarefas — todos exasperados por conta do ataque iminente —, aquela parte da floresta estava estranhamente vazia. Nem mesmo os pequenos animais podiam ser vistos ou ouvidos, ainda que Lyssa soubesse que seus ninhos ainda se encontravam por ali. Parecia-lhe que o clima de tensão afetava até mesmo os menores dos seres.

O silêncio profundo era, ao mesmo tempo, pacífico e angustiante. Se, por um lado, a tranquilidade era contagiante, por outro deixava que os pensamentos na mente da jovem soassem ainda mais altos que o normal. Balançando a cabeça, tentando se livrar dos incômodos, ela apressou o passo, ansiando para chegar à Gruta o mais rápido possível.

Calculava que restavam cerca de dez minutos de caminhada até a morada das bruxas quando o barulho de passos vindos em sua direção a fez sobressaltar. Sem saber porquê, a fada já estava pronta para lutar pela própria vida quando viu quem se aproximava. Mais uma vez, suspirou profundamente ao ver Alick Ferro-Brasil caminhando na direção contrária que Lyssa vinha.

 — Alick! — Exclamou, aliviada.

— Algum problema? — A bruxa perguntou, notando seu aparente nervosismo.

— Não. — Disse a fada, se recuperando do susto. — Eu estava indo até a Gruta. Procurando você.

Alick engoliu em seco, como se esperasse por aquilo, mas não estivesse feliz com aquelas palavras. Ela indicou que Lyssa a acompanhasse e começou a caminhar entre as árvores, sem direção. 

— Essa é uma coincidência e tanto. — Comentou a bruxa após alguns passos. — Eu estava justamente à sua procura.

Lyssa a olhou com leve suspeita.

— O que quer? — Perguntou, por fim.

— Acho que nós duas já postergamos essa conversa por tempo demais. — Alick parou de caminhar para encarar a fada nos olhos. — Escute, eu não quero que você pense que não sou sua amiga...

— Você mentiu para mim. — Ainda que tentasse manter a calma, a fada sentia sua respiração se acelerar. Alick suspirou.

— Eu não menti, Lyssa. Só não podia te contar a verdade.

— Qual a diferença? Deixou que eu ficasse ignorante a tudo que se passava ao meu redor! — Era visível no rosto de Alick que a bruxa estava arrependida.

— Escute. — Ela pediu, segurando Lyssa pelos ombros. — Quando aquela Fura-Coração trouxe você até a Gruta, ficou claro que era uma provocação deliberada a Fedra, talvez para desestabilizar a Matriarca.

— O que não explica por quê eu tinha que ser deixada às cegas! — Lyssa empurrou os braços de Alick para longe, se virando de costas para a bruxa para encarar a floresta.

— Nós não sabíamos o que poderia acontecer, qual seria sua reação. — Alick se aproximou um passo, mas parou sem encostar na amiga. — Se corresse de volta para Fedra, só a deusa sabe qual seria a reação de Ode. E se ela fosse deposta...

— E o que eu tenho a ver com a Matriarca? — Irritada, Lyssa sentiu uma chama caminhar por suas costas no momento em que tornou a olhar para Alick. — Que se dane quem senta naquela cadeira.

— As coisas não são assim para as bruxas, Lyssa. As Ferro-Brasil devem proteger umas às outras, eu não poderia por tudo em risco.

— Eu tinha o direito de saber quem eu sou! — A fada tentava compreender o que Alick dizia, mas o sentimento de que tivera a confiança traída pela bruxa a irritava profundamente.

— Que diferença faria se você soubesse? Não é como se pudesse correr de volta para Fedra só por ser sua herdeira. — Alick exclamou, visivelmente irritada.

Lyssa a encarou, sem saber direito como responder aquela pergunta. Não queria ficar irritada com a bruxa que fora sua única amiga desde que chegara à Gruta, mas não conseguia evitar a sensação de traição, de que tinha o direito de saber sobre si mesma.

— Você está tornando isso mais complicado do que deveria ser, Lyssa. — Disse Alick, um pouco mais calma. — Desculpe-me, está bem? Eu deveria ter contado, mas você deve entender...

Antes que a amiga terminasse de falar, um arrepio tomou conta do corpo da fada e, menos de um segundo depois, um estrondo ecoou através das árvores, fazendo com que ambas se encolhessem e ficassem de costas uma à outra, como que esperando por um ataque. Algum tempo se passou antes que Alick se voltasse a Lyssa e dissesse:

— Foram as defesas da Floresta. — Lyssa compreendeu imediatamente do que se tratava. — Encontre-me na Gruta.

Dito isso, Alick se virou e saiu correndo, deixando a fada — que não poderia sequer sonhar em acompanhá-la — para trás. Sozinha em meio à mata, Lyssa ficou sem saber se deveria retornar à Árvore para unir-se às fadas, ou seguir a ordem de Alick para que fosse até a Gruta.

Talvez, pensou com um sobressalto, aquela fosse a oportunidade perfeita para descobrir onde estava guardado o livro, talvez até de encontrar uma forma de destruí-lo. Isso é, se a Matriarca o mantivesse guardado na caverna durante a batalha. Ainda hesitante, Lyssa seguiu pela mesma direção que Alick seguira, para a Gruta.

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora