LXXXIII. Necromante

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Lothar encarou o livro. Doze outros homens e quatro mulheres faziam o mesmo.

Asmin Flor-Invernal, a Matriarca, lia as palavras escritas pela tal Azar Fura-Coração em voz alta. Explicava como usar uma magia que, segundo Belthor, era até então desconhecida pelo mundo. Ele estava com medo daquilo e tinha certeza de que não era o único.

— Aparentemente, os anões já tinham descoberto como drenar esta magia dos mortos, mas nada sabiam sobre como usá-la em benefício próprio. — A bruxa falava. — Tudo que ela fez foi unir a prática os anões a essas anotações... — Uma pausa, como se não soubesse o que vinha a seguir. — Não sei de onde vieram estas anotações tão específicas.

— Encontramos um livro élfico que explicava algumas coisas. — Alick Ferro-Brasil explicou. — O resto ela descobriu através de... — a hesitação não era usual — experimentos.

Aquilo pareceu ser suficiente para a Matriarca, que tornou a ler o livro em busca das informações necessárias. Quase cinco minutos se passaram antes que um visivelmente perturbado Belthor se aproximasse e perguntasse à bruxa:

— Senhora Matriarca, o que exatamente meus homens estão fazendo aqui? — A pergunta passara pela mente de Lothar todos os segundos na última meia hora. — Sabe que não podemos usar magia.

— Segundo o que Azar me contou, talvez haja uma maneira de tornar possível que vocês usem essa energia como os feéricos usam o éter. — Alick explicou.

— Se conseguirmos isso, — Asmin explicou — terão uma vantagem sobre os elfos no campo de batalha. Aliado às suas gemas, esse poder pode torna-los soldados formidáveis.

— Eu não sei vocês, mas eu prefiro arriscar minhas chances com minha espada e escudo do que consumir a alma de gente morta. — Biattra, que estava postada ao lado de Lothar, se pronunciou.

O homem ponderou aquelas palavras. Ela não estava errada. Parecia-lhe errado aproveitar-se da energia dos mortos daquela forma, era uma violação de seu descanso eterno. Mas, pensou ele, havia tantas coisas erradas naquele mundo que um erro a mais não parecia assim tão grave.

— Biattra, — ele falou, pegando em sua mão — você não sabe como eles são. Nenhum de vocês sabe.

Ao olhar para a Matriarca, Lothar sentiu-se encorajado ao vê-la acenar positivamente. As demais bruxas apenas observavam, Alick aparentando preocupação e receio em sua expressão.

— Eu vivi ao lado desses monstros por toda a minha vida. — Ele prosseguiu, encarando cada um dos humanos nos olhos. — Eles me tiraram o nome que minha mãe me deu, a minha família, minha dignidade. Tomaram minha voz quando tentei defender um de nossos irmãos e já não sei quantas vezes o chicote estalou em minhas costas.

Lothar fez uma pausa para recuperar o fôlego, sentindo as lágrimas que começavam a acumular em seus olhos com as lembranças que vinham à tona. Ele não se preocupou em escondê-las.

— Pode parecer errado, — finalizou — mas se essa magia dos mortos pode nos dar uma chance a mais de lutar contra eles, eu estou disposto a arriscar qualquer ira que a deusa possa atirar sobre mim.

Quando terminou de falar, seus olhos se voltaram para os de Biattra, que também chorava. Ele compartilhara com ela mais do que a cama nestes últimos dias. Tinham criado laços rapidamente e ela sabia de muitas das dores que pesavam em seu peito. Lothar sabia que a bela mulher à sua frente sentia a sua dor conforme ouvia aquelas palavras.

Ao contrário do que ele esperava, no entanto, a reação dela não foi de pôr-se à frente do grupo e se oferecer para aquela magia como ele o fazia. Biattra simplesmente o encarou, com os olhos cheios de lágrimas, e negou com a cabeça.

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora