CVI. Uma Última Noite

61 11 33
                                    

Asmin foi obrigada a sair de seu torpor no momento em que Nualla Águia-Noturna invadiu seus aposentos, derrubando a porta com um chute bem colocado.

Instintivamente, a Matriarca puxou a espada e apontou na direção da princesa, que apenas a encarou com olhar de reprovação.

— Que droga está fazendo, Asmin? — Nualla perguntou enquanto esta guardava a espada na bainha.

— O que você quer? — Foi a única resposta.

— O que eu quero? — A bruxa de cabelos azuis estava indignada. Não sem razão, pensou Asmin. — "Que você faça o seu trabalho" é uma resposta boa? Quanto tempo você pretende ficar aí, em luto pela morte de algumas dríades, enquanto nós tentamos juntar os farrapos do seu exército?

Asmin sabia que ela estava certa. Mas não podia admitir. A própria Nualla admitira ser uma possível rival ao posto de Matriarca, e a Flor-Invernal não podia se deixar perder força política nesse momento tão delicado.

— Eu precisava de um tempo para me recompor, só isso. — Admitiu, sem ver outra saída. — Em que pé andam as coisas?

Sem dar tempo de resposta, ela jogou um pouco de água no rosto e caminhou pelo corredor escuro da Gruta. Do lado de fora, podia ouvir os sons de ordens sendo dadas e carroças sendo empurradas.

— Ordenei que construíssem barricadas nos trechos mais fechados do caminho até a Gruta, tentaremos afunilar os elfos até aqui. — Nualla ainda parecia irritada, mas decidiu colaborar. — Também estamos posicionando arqueiros e magos no topo da rocha para atirar no inimigo.

— Certo. — Asmin sabia que não seria suficiente, mas tinham que tentar algo. — E onde eles estão?

— Avançam lentamente. Não têm a menor pressa, aparentemente. Provavelmente acamparão essa noite e atacarão amanhã, como têm feito todos os dias.

— O que lhes dá mais ou menos uma hora para avançar ainda mais em nosso território. — Asmin tentava calcular a quantos metros da Gruta o inimigo pararia naquela tarde.

— Talvez possamos tentar algo durante a noite. Agora temos os dragões. — A Águia-Noturna tentava encontrar algum ponto positivo naquilo.

— O inimigo também tem dragões. — Surpresa surgiu no rosto da princesa. — Valatr e a Cavalaria ficarão ocupados demais tentando obstruí-los.

— Então só nos resta rezar. — Finalizou Nualla, no momento em que ambas saíam da caverna.

Do lado de fora, a movimentação frenética era atordoante. Drakares corriam por todos os lados levando flechas e mantimentos para que as tropas passassem a noite quentes e alimentadas, enquanto Middgellers e feéricos transportavam móveis e carroças em todas as direções para montar as tais barricadas.

Era perceptível que a esperança já morrera naqueles rostos há tempos. A única coisa que ainda os fazia seguir em frente era o mais puro instinto de sobrevivência, a ciência de que desistir agora significaria a morte, ou coisas piores.

Um dia, milhares de anos atrás, os anões tinham enfrentado aquela mesma situação, a mesma desesperança, o mesmo sofrimento. Aos anões não fora oferecida ajuda. Aquelas raças que agora lutavam pela própria sobrevivência tinham acreditado que não era necessário se unir para enfrentar o inimigo comum. "Talvez", pensou Asmin, "este seja o preço por termos deixado que eles morressem".

Talvez rezar fosse inútil, talvez os deuses lhes tivessem deixado para trás, abandonados à própria sorte. Qualquer que fosse a verdade sobre esses fatos, restavam-lhes apenas uma noite para que descobrissem.

Era isso que Asmin pensava enquanto tentava organizar o que restava de seu exército. "Seu exército". O termo ainda ressoava em sua mente de forma estranha.

Seria ela a última Matriarca da Aliança?

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora