XCVII. Quebra

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Lyssa não vira Alick desde a noite anterior. Exausta, ela sequer se lembrava do momento em que se deitara na cama de palha e entrara num sono profundo. Sob a fraca luz das estrelas que ousavam penetrar a copa das árvores — era noite de lua nova —, a fada dormiu profundamente e sequer notou as movimentações ao seu redor até a manhã seguinte, quando uma bruxa estranha jogou sobre ela a armadura improvisada que utilizava todos os dias.

Ainda que Alick não fosse muito delicada na forma que a despertava com chutes na perna e imperativos urgentes, definitivamente era mais agradável que aquela nova forma de acordar. Ao menos esta servia para deixá-la desperta mais rapidamente.

Lyssa sabia que a amiga fora enviada para algum tipo de missão noturna com outras bruxas, algum tipo de plano inventado pela Matriarca para  tentar desestabilizar o acampamento dos elfos durante a noite. Não ver Alick nos arredores do acampamento pela manhã, portanto, era estranho e um tanto preocupante.

Por sorte — ou azar, ela não sabia ao certo — não havia tempo para gastar com preocupação. O sol já começava a dar os primeiros sinais no céu e logo começaria mais um dia de caos e exaustão. Estavam sendo levados ao máximo e Lyssa sabia. Não era especialista em nada e tampouco compreendia as complicadas táticas de revezamento e proteção usadas pelas bruxas para diminuir o desgaste, mas percebia através da magia que cada segundo que se passava era um passo dado em direção à ruína.

Enquanto que a Aliança amanhecia cada dia mais fraca, com menos soldados para complementar as linhas de frente, os elfos pareciam cada vez mais fortes. Lutavam com mais ferocidade e pareciam atacar com ainda mais números, como se percebessem o enfraquecimento do inimigo e ganhassem ainda mais ímpeto para atacar e matar.

Ao lado de dois magos feéricos, a fada fazia o possível para defender as bruxas com o pouco conhecimento que tinha na magia. Como percebera, a experiência era melhor a melhor instrutora que tivera desde que saíra da casca da Árvore. Aos poucos, conforme se passavam as horas, conseguia reagir mais facilmente aos ataques dos magos inimigos. No entanto, ela se desgastava, e sabia que seus companheiros também sofriam da mesma forma.

Ao final do dia anterior, sequer sentia ter energia mágica para ascender uma fogueira e podia apenas rezar para acordar no dia seguinte com força e disposição para enfrentar mais um árduo dia de combate. A sobrevivência, no entanto, era motivação forte o suficiente, e ela sempre parecia encontrar algum resquício de fogo para se defender e defender àqueles ao redor.

Quando em formação novamente, no mesmo lugar que ocupava todos os dias, Lyssa olhou ao redor em busca da Alick, mas não havia sinal da amiga. Talvez, pensou ela, no caos e urgência das preparações para a batalha, ela tivesse acabado em outra sessão da linha defensiva. Talvez, tentou convencer a si mesma, não houvesse nada de errado com a bruxa.

Ao seu redor, apenas estranhas que a olhavam com suspeita e desconfiança. Nem mesmo as bruxas que tinham lutado ao seu lado nos últimos dias estavam ali. Os rostos conhecidos das Ferro-Brasil tinham sido substituídos por novas caras e nomes que ela desconhecia completamente.

— A Matriarca ordenou um rearranjo das linhas para tentar surpreender os elfos. — Comentou uma bruxa rispidamente, percebendo a confusão da fada. — Tente não nos matar, por favor.

A forma como ela falava despertou uma suspeita em Lyssa e, após alguns minutos olhando pelas linhas pôde ver o rosto e corpo marcados por queimadura de uma bruxa de rosto conhecido. Era Jyan, a mesma bruxa que ela tinha ferido em seus primeiros dias na Gruta. Esta não parecia notar, ou se importar com a presença da fada, mas em poucos segundos ficou claro a Lyssa que estava cercada por bruxas Fura-Coração.

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora