XCVI. À Sombra das Árvores

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O primeiro dia de batalha se encerrou quando a noite caiu sobre a fronteira entre a Floresta Negra e as terras élficas. Nada muito impactante parecia ter acontecido. As tropas da Aliança não tinham cedido um centímetro sequer e os elfos pareciam visivelmente frustrados quando seus oficiais deram a ordem de recuar.

"Uma pequena vitória", pensou Lothar ao ver que tinha sobrevivido ao primeiro dia sem sofrer grandes ferimentos.

Ele lutava com a mente dividida entre a batalha ao redor e o livro que carregava em suas costas.

Ficara surpreso quando Miger, o homem que tinha ascendido à posição de chefe após a trágica morte de Belthro, sugeriu que adotassem uma tática parecida com a das bruxas para aquela luta.

Como ex-escravo, Lothar passara a vida toda sem sequer encostar numa espada. Agora, tinha que lutar com uma. Não entendia quase nada de estratégias e táticas de combate, mas sempre imaginara que as batalhas eram bagunças desordenadas e sem sentido em que uns matavam aos outros até que um dos lados saísse vitorioso. Nas últimas horas, no entanto, aprendera que era muito mais do que isso.

Tudo era bagunçado, sim, mas a bagunça era organizada, de certa forma. Os capitães diziam quando pressionar e quando apenas segurar a posição, impedindo o avanço do inimigo. Tentavam, ao máximo, impedir que a linha se quebrasse, que o exército se dividisse em dois. Enquanto a nível individual a coisa toda pudesse ser apenas uma matança desenfreada, no nível macroscópico tudo parecia muito mais organizado e complexo.

O que mais surpreendeu o ex-escravo foi a possibilidade de descanso numa batalha como aquela. Assim como as bruxas faziam, Miger ordenou que seus homens se posicionassem em fileiras com quatro soldados de profundidade. O da frente lutava, enquanto os de trás apoiavam e aguardavam por sua vez.

No momento necessário, o comandante ordenava que as linhas trocassem de posição e, como loucos, os de trás faziam o possível para tomar o lugar dos da frente sem que os elfos conseguissem romper a formação. No momento da troca, tudo era caótico e Lothar quase perdera as esperanças nas duas primeiras vezes. Mas os soldados da retaguarda sempre auxiliavam, matando os elfos que conseguiam passar, e tudo acabava bem.

Na manhã do segundo dia, em seu momento de descanso, o humano cansado contou os cortes que ostentava em seu corpo. Ao menos cinco espadas tinham raspado sua pele e cortado seus braços, pernas e rosto profundamente. Enquanto que, no momento do acontecido, ele sequer sentira a dor, agora aqueles cortes pareciam fogo.

Sua sorte foi avistar um Drakar que corria para cima e para baixo, levando suprimentos e curando ferimentos leves. A pequena criatura fez o serviço em menos de dois minutos e deixou Lothar sozinho com seus pensamentos, enquanto observava seus irmãos a lutar, atento a qualquer momento em que a linha parecesse prestes a se romper.

Sua mente, no entanto, sempre retornava ao livro. Àquelas palavras, àquele poder. Estudara ao lado de Biattra e Solar durante toda a noite, tentando decifrar as palavras e encantamentos que seriam possíveis com aquele novo conhecimento.

Sete ratos tinham morrido para que Lothar pudesse usar sua energia para experimentar. De bolas de fogo a pequenas explosões de energia pura. O ex-escravo se sentia cada vez mais confortável com o poder e começava a descobrir pequenas coisas que nem mesmo Azar Fura-Coração percebera, coisas que não estavam anotadas no livro.

Com as experimentações, percebeu que, dependendo de qual emoção ocupasse seu coração no momento, a magia reagia de forma diferente, ficando mais fácil de ser controlada quando ele se deixava tomar por raiva, sobrepujando a vontade da energia em si, e mais difícil quando deixava que o medo surgisse.

Parecia-lhe que aquilo tinha uma vontade própria, que tentava o tempo todo imprimir a própria vontade sobre Lothar. Ele podia usar o poder, desde que tivesse força o suficiente para sobrepujar o controle daquela coisa sobre si.

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora