XIII. Da Lama e Das Coisas Ruins

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- Vamos, levantem-se. - Dust ordenava aos orelhas-redondas que pareciam relutantes em deixar o acampamento. Qualquer que fosse o motivo para aquilo, a bruxa Flor-Invernal não parecia disposta a relevar a preguiça dos escravos libertados.

Azar se levantou e olhou ao redor, tentando identificar se aquela sensação esquisita tinha ido embora. Ainda estava lá, percebeu, sussurrando no fundo de sua cabeça, ainda que em menor intensidade que na noite anterior. A Segunda Visão nada acusava, não era como em Til Onag, tudo parecia normal, exceto por aquela incógnita que a incomodava profundamente.

As outras bruxas já estavam prontas para seguir viagem quando a Fura-Coração, por pura precaução, lançou um feitiço de detecção para identificar possíveis ameaças que pudessem espreitar ao redor. Satisfeita com suas precauções, Azar virou-se na direção dos companheiros de viagem para verificar se necessitavam de ajuda.

- Está melhor, mas o curativo não é suficiente. - Dreika disse enquanto verificava o emplastro colocado na perna do orelha-redonda.

- Serão bem tratados na Gruta. - Azar respondeu, tentando manter a calma. Já tinham tratado daquele assunto mil vezes na noite anterior. A Fura-Coração não desejava mal algum para os ex-escravos, mas não conseguia entender o apego que aquelas bruxas tinham para com aquele assunto. - Agora vamos. O sol já vai alto no céu.

A Batedora caminhou à frente do quinteto cambaleante para examinar o terreno à frente, tentando avaliar se conseguiriam chegar ao território seguro da Floresta Negra ainda naquele dia. Se passassem muito tempo nas estepes, as chances de serem encontradas por algum maldito batedor élfico cresciam exponencialmente.

Mas não foi o cheiro de um batedor élfico que ela sentiu quando subiu no pequeno monte de pedras ao norte de onde tinham acampado para lançar seu feitiço de detecção. Batedores élficos nunca deixariam aquele tipo de rastro, fariam de tudo para encobri-lo. Não, aquele cheiro era familiar de uma maneira ruim, era um cheiro de podridão, de lama e de sujeira. O cheiro daquelas criaturas que viviam nas sombras, espreitando e buscando a próxima vítima. Azar mal teve tempo de virar-se para o grupo, gritando para que se protegessem, antes que uma flecha negra atravessasse o peito de Dust e se cravasse na pedra ao lado de seus pés. Da ponta do projétil pingava um líquido verde que fedia a veneno.

Antes que o corpo sem vida da Flor-Invernal tocasse o chão, a bruxa Fura-Coração pulou junto aos quatro sobreviventes, puxando a cimitarra da bainha da colega morta e apontando para o local de origem da flecha. Dreika ergueu um escudo de energia violeta, tentando protegê-los de mais ataques.

- É inútil! - Azar anunciou. - As flechas estão envenenadas, provavelmente saliva de orc. Não gaste suas energias com isso.

Dreika xingou e abaixou a guarda, sacando a própria espada e esperando, em posição de guarda. Asmin fez com que os orelhas-redondas deitassem no chão, diminuindo assim as chances de serem atingidos durante o combate, e então pôs-se ao lado das outras duas, dirigindo apenas um rápido olhar na direção de onde Dust estava deitada, eternamente imóvel.

- Ela não se transformou em pedra. - Afirmou, o ódio perceptível em sua voz. - Definitivamente é veneno de orc.

Veneno de orc, a única coisa capaz de anular completamente os efeitos da magia de uma bruxa. Mas o que os malditos estavam fazendo ali, tão ao ocidente? Suas colmeias nas montanhas do leste eram demasiado distantes para que simplesmente aparecessem ali por acaso. Por mais improvável que fosse, talvez os elfos os haviam recrutado, pensou Azar.

Mais uma flecha voou na direção delas e, logo em seguida, mais uma. Eram pelo menos dois arqueiros. O cheiro daquelas criaturas era tão forte, nauseante, que entorpecia os sentidos das bruxas, que tiveram dificuldade de desviar dos projéteis que eram atirados. Asmin, tomando a frente do grupo, entoou algumas palavras e, com os olhos brilhando numa cor acinzentada, enviou uma onda de choque arrebatadora na direção do inimigo. Não para atingi-los, percebeu Azar - teria sido um inacreditável desperdício de energia -, mas sim para esmagar o mato alto e as pequenas plantas que os escondia, revelando suas posições.

E funcionou. Diante das bruxas, ali estavam os doze orcs, encarando-as com grotescos e doentios sorrisos em seus rostos. Lama e uma gosma vermelha pingavam de seus corpos, como se fosse o suor daquelas coisas. Os olhos negros, enfiados num crânio deformado e enrugado, brilhavam com a expectativa da matança. Das bocas, aquele líquido verde, o veneno letal, pingava como cachoeiras assassinas, pingando no chão e matando a grama e queimando os pequenos galhos.

Azar encarou cada um dos assassinos de fadas, como eram conhecidos, analisando quais pareciam mais fracos e quais estavam mais ansiosos para provar um pouco de seu sangue. Antes que a Fura-Coração pudesse fazer qualquer coisa, no entanto, Dreika fez algo que ela julgara impensável: a bruxa Flor-Invernal arremessou sua cimitarra como se fosse uma adaga na direção de um dos arqueiros e, em seguida, puxou duas pequenas facas de arremesso de onde estavam escondidas às suas costas e as atirou também. Três orcs caíram no chão, reduzindo a desvantagem das bruxas, mas deixando uma delas desarmada.

Azar xingou.

- Relaxe, Fura-Coração. - Asmin falou, calmamente. - Já fizemos isso um milhão de vezes.

A Batedora seria tola em negar que a calma com que a bruxa de cabelos amarelos lidava com a ação da amiga a assustava, mas teve de esquecer qualquer senso de estupefação quando, sem qualquer aviso, a própria Asmin saltou na direção dos orcs, arrancando a cabeça do primeiro e arremessando a própria arma na direção de Dreika, que já corria também naquela direção. Destacada da dupla, sem qualquer entrosamento, Azar correu também, determinada a matar pelo menos uma daquelas criaturas malditas.

Eram tremendas lutadoras, as duas Flores-Invernal. A Fura-Coração torcia para que não reparassem em sua absoluta falta de habilidades de combate. As três se moviam rapidamente, mas os demoníacos orcs eram quase tão rápidos quanto, defendendo seus golpes e contra-atacando com toda sua ferocidade animal. Enquanto Dreika e Asmin pareciam um furacão de ferro e sangue, motivadas pelo prazer da luta e pela vingança da irmã caída, Azar mal conseguia assimilar o ambiente à sua volta, esforçando-se para lidar com os dois pedaços de carne amaldiçoada que a cercavam, babando e gotejando como uma gigante ferida cheia de pus.

Ela bloqueou três golpes fortes com sua espada antes de conseguir desviar do quarto, assumindo uma posição mais ofensiva contra o orc mais baixo, que aparentava ser mais fraco. As companheiras gritavam ao seu redor, mas Azar não podia perder a concentração. Como aprendera na Gruta, uma finta na direção da virilha e um golpe rápido no pescoço eram uma forma bem eficiente de liquidar seus inimigos. Não foi o ataque mais rápido e habilidoso da história dos sete clãs, mas ao menos a cabeça decepada da criatura horrenda rolou pelo chão no final.

O seguinte, que ao ver o irmão cair soltou um berro que poderia ser ouvido há quilômetros de distância, atacou com velocidade e conseguiu, graças a uma esquiva demasiado lenta da bruxa, arrancar um bocado de sangue de seu braço esquerdo. Ao menos não era sua mão da espada, pensou enquanto tentava contra-atacar com um giro e uma estocada na direção do estômago da criatura. Ele defendeu rapidamente, desviando sua espada com o ferro escuro maciço de sua própria arma, mas a Fura-Coração estava esperta e, ajustando a posição dos pés para dar-lhe mais apoio, cortou fora o braço da espada do orc e enfiou-lhe a cimitarra no coração.

Dreika e Asmin já tinham terminado de liquidar o restante da companhia de orcs e assistiam com largos sorrisos à performance de Azar. Enquanto tirava o sangue preto da espada, esfregando-a na grama seca, ela contou os corpos no chão. Os dois que ela mesma matara, os três que Dreika abatera à distância e mais seis que as Flor-Invernal tinham liquidado. Onze. Onde estava o décimo segundo?

Antes que Azar pudesse sequer fazer a pergunta, no entanto, uma flecha voou de algum lugar entre as árvores por entre as três bruxas e desapareceu em meio ao mato alto. Dreika, sem perder tempo, lançou sua magia silenciosa na direção das plantas, fazendo com que toda aquela vegetação alta se enroscasse no corpo do orc, tirando dele a capacidade de atirar novamente. Antes que ele pudesse se soltar, Asmin atacou com sua espada e cortou mais uma cabeça.

Por que bruxas gostavam tanto de arrancar cabeças? Azar não sabia, mas era definitivamente algo divertido de se fazer.



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*Este capítulo possui 1446 palavras*

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora