LXXV. Noite de Fogo e Sangue

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Nos dias que se passaram, dezenas de dragões apareceram na planície de Terralarga, enchendo o céu com o bater das asas multicolores. Todos tinham atendido ao chamado, muitos ainda estavam a caminho.

Agora, no quarto que lhe fora designado, Valatr encarava a paisagem de Terralarga, sentindo através do Elo a excitação e o maravilhamento de Delétrion por encontrar tantos de seus iguais num mesmo lugar. Um evento, de fato, raro, que provavelmente resultaria em algumas dezenas de novos ovos para serem chocados no momento em que encontrassem seus parceiros.

O elfo não queria pensar na quantidade de animais de pasto que encontrariam seu fim nos próximos dias sob as mandíbulas poderosas das feras aladas. Ainda que os Mestres tentassem controlar a matança descontrolada, ninguém podia negar que muitas vezes as coisas saíam do controle.

Ele arrumou o cinto que prendia a bainha — agora vazia — ao seu corpo, tentando repassar em sua mente todos os detalhes da conversa que teria mais tarde com aqueles elfos que podiam, na grande maioria das vezes, serem mais cabeças-duras que os próprios dragões. E ele teria que convencê-los a acompanhá-lo numa missão que muitos acreditavam ser impossível.

Sentindo a inquietação na mente do elfo, Delétrion pareceu reagir, acalmando a si mesmo para que seu Mestre fizesse o mesmo. Agora sorridente, Valatr suspirou profundamente e enviou pelo Elo o que poderia ser interpretado pelo dragão como um agradecimento. Onde quer que o animal estivesse, participando da festa alada na planície abaixo, pareceu satisfeito com o agradecimento e voltou aos próprios afazeres — provavelmente em busca de uma fêmea para copular.

Uma batida soou na porta do quarto, fazendo com que o elfo fosse arrancado das profundezas de sua própria mente para atender quem quer que fosse.

— Entre. — Ele autorizou e ouviu a porta se abrir. O som de dois pares de botas invadiram o recinto. Ao virar-se para trás, encontrou Reus e Runa com olhares sérios e preocupados. — Em que posso ajudá-los?

— Há dezenove que ainda não chegaram. — A fêmea comentou. — Talvez nunca cheguem.

— Deixe-me adivinhar: Gheyon está entre eles? — Perguntou, recebendo um balançar de cabeças afirmativo como resposta.

O Arauto do Fogo em questão sempre fora um dos mais radicais dentro da cavalaria. Nascera e fora criado entre soldados, lutara inúmeras batalhas antes que um ovo eclodisse para ele e sua carreira militar acabasse. A sua tendência a desejar a destruição das raças não-élficas, no entanto, permaneceu.

— Se ele não vier, isso pode significar que ele levou os outros até Linea. — Foi a vez de Reus falar.

— Se tivermos que lutar contra dragões...

— Não lutaremos. — Valatr interrompeu Runa. — Se Silhy permitir, conseguiremos lidar com isso através de diálogo e compreensão. Sei que pode parecer idealismo barato, mas...

— É idealismo barato, Valatr. — A ruiva parecia cansada de ouvir aquelas coisas. — Não pode esperar que esse bando de lunáticos com espadas nas mãos simplesmente deixem de querer matar os selvagens.

— Não parecia tão cética no outro dia, Runa. — De fato, o elfo não esperava que ela irrompesse naquela tempestade de descrença.

— Sim, estou cética. Não duvido que consigamos trazer os monarcas para a mesa e os façamos assinar um maldito contrato. — Ela falava calmamente, mas o fogo em seus olhos salientava sua eloquência. O irmão apenas observava em silêncio. — Mas os reis e rainhas não têm poder sobre as espadas de seus súditos. Um contrato que se aplique a eles não se aplica ao seu povo. Não acho que isso terminará sem luta.

Fura-Coração (COMPLETO - EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora